ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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Ora, aconteceu que, na véspera desse dia, Herculano foi<br />
surpreendido por outro marinheiro, a praticar uma ação feia e<br />
deprimente do caráter humano. Tinham-no encontrado sozinho,<br />
junto à amurada, em pé, a mexer com o braço numa posição torpe,<br />
cometendo, contra si próprio, o mais vergonhoso dos atentados. (...)<br />
O outro (...) que tinha o hábito de andar espiando à noite o que<br />
faziam os companheiros, precipitou-se a chamar o Santana, e,<br />
riscando um fósforo, aproximaram-se ambos para “examinar” (...).<br />
Herculano acabava de cometer um verdadeiro crime não previsto<br />
nos códigos, um crime de lesa-natureza, derramando inutilmente, no<br />
convés seco e estéril a seiva geradora do homem. (BC, p.14)<br />
Ao derramar o esperma no convés – “um solo infértil” - Herculano comete o<br />
“maior dos pecados”, ou seja, o desperdício de sua “semente” somente pelo e para o<br />
prazer, sem fins procriativos, sendo, então, por este motivo, condenado a chibatadas<br />
diante dos companheiros. Tal punição tem de ser necessariamente pública e exercida<br />
sobre o corpo do infrator para que essa possa servir de exemplo a todo o grupo. “O<br />
corpo masculino pensado e modelizado pela cultura judaico-cristã, pela cultura<br />
burguesa, é um corpo censurado e instrumental...” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2010,<br />
p.24). Estreitas regras que punem, entre outras práticas, a masturbação, também tendem<br />
a punir tanto a prática sexual anal quanto a oral, já que essas não estariam locadas<br />
dentro da lógica da procriação sustentada pelas três religiões do ramo abraâmico:<br />
judaísmo, cristianismo e islamismo. É o “crescei e multiplicai-vos” do Livro do<br />
Gênesis, ditando regras em contextos espacial, temporal, social e cultural diferentes e<br />
impondo pela tradição o heterocentrismo como suporte universal.<br />
Do raciocínio dos parágrafos anteriores, observamos que a voz narrativa<br />
anuncia que a paixão por Aleixo causará sérios problemas a Amaro – Bom-Crioulo -,<br />
pois o amor entre iguais é prática considerada execrável. A relação homoafetiva entre<br />
Amaro e Aleixo não pode ser vista sob o olhar da legalidade e da legitimidade, por isto<br />
tempestade de maus augúrios é mostrada mais uma vez em prolepse, indicando o que<br />
advirá dessa junção amorosa e carnal entre os dois engajados da Marinha Imperial<br />
Brasileira.<br />
O motivo, porém de sua prisão agora no alto-mar, a bordo da<br />
corveta, era outro, muito outro: Bom-Crioulo esmurrara<br />
desapiedadamente um segunda-classe, porque este ousara, “sem o<br />
seu consentimento”, maltratar o grumete Aleixo, um belo<br />
marinheiro de olhos azuis, muito querido de todos e de quem se<br />
diziam “cousas” (BC, p.16).