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ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...

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107<br />

Ora, aconteceu que, na véspera desse dia, Herculano foi<br />

surpreendido por outro marinheiro, a praticar uma ação feia e<br />

deprimente do caráter humano. Tinham-no encontrado sozinho,<br />

junto à amurada, em pé, a mexer com o braço numa posição torpe,<br />

cometendo, contra si próprio, o mais vergonhoso dos atentados. (...)<br />

O outro (...) que tinha o hábito de andar espiando à noite o que<br />

faziam os companheiros, precipitou-se a chamar o Santana, e,<br />

riscando um fósforo, aproximaram-se ambos para “examinar” (...).<br />

Herculano acabava de cometer um verdadeiro crime não previsto<br />

nos códigos, um crime de lesa-natureza, derramando inutilmente, no<br />

convés seco e estéril a seiva geradora do homem. (BC, p.14)<br />

Ao derramar o esperma no convés – “um solo infértil” - Herculano comete o<br />

“maior dos pecados”, ou seja, o desperdício de sua “semente” somente pelo e para o<br />

prazer, sem fins procriativos, sendo, então, por este motivo, condenado a chibatadas<br />

diante dos companheiros. Tal punição tem de ser necessariamente pública e exercida<br />

sobre o corpo do infrator para que essa possa servir de exemplo a todo o grupo. “O<br />

corpo masculino pensado e modelizado pela cultura judaico-cristã, pela cultura<br />

burguesa, é um corpo censurado e instrumental...” (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2010,<br />

p.24). Estreitas regras que punem, entre outras práticas, a masturbação, também tendem<br />

a punir tanto a prática sexual anal quanto a oral, já que essas não estariam locadas<br />

dentro da lógica da procriação sustentada pelas três religiões do ramo abraâmico:<br />

judaísmo, cristianismo e islamismo. É o “crescei e multiplicai-vos” do Livro do<br />

Gênesis, ditando regras em contextos espacial, temporal, social e cultural diferentes e<br />

impondo pela tradição o heterocentrismo como suporte universal.<br />

Do raciocínio dos parágrafos anteriores, observamos que a voz narrativa<br />

anuncia que a paixão por Aleixo causará sérios problemas a Amaro – Bom-Crioulo -,<br />

pois o amor entre iguais é prática considerada execrável. A relação homoafetiva entre<br />

Amaro e Aleixo não pode ser vista sob o olhar da legalidade e da legitimidade, por isto<br />

tempestade de maus augúrios é mostrada mais uma vez em prolepse, indicando o que<br />

advirá dessa junção amorosa e carnal entre os dois engajados da Marinha Imperial<br />

Brasileira.<br />

O motivo, porém de sua prisão agora no alto-mar, a bordo da<br />

corveta, era outro, muito outro: Bom-Crioulo esmurrara<br />

desapiedadamente um segunda-classe, porque este ousara, “sem o<br />

seu consentimento”, maltratar o grumete Aleixo, um belo<br />

marinheiro de olhos azuis, muito querido de todos e de quem se<br />

diziam “cousas” (BC, p.16).

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