ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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Uma sensação de ventura infinita espalhava-se em todo o corpo.<br />
Começava a sentir no próprio sangue impulsos nunca<br />
experimentados, uma vontade ingênita de ceder aos caprichos do<br />
negro, de abandonar-se-lhe para o quê ele quisesse - uma vaga<br />
distenção dos nervos, um prurido de passividade. (BC, p.30)<br />
O prestígio e poder vinculados ao masculino são realçados ao longo do<br />
romance, inclusive pela descrição do corpo de Amaro, vinculado à força e potência,<br />
marcadores da masculinidade, surgindo como o provedor, enquanto Aleixo, no<br />
relacionamento homogenital, é descrito como amante, como quase-mulher, passivo e<br />
protegido. O jogo de poder hierarquizado que se estabelece entre os dois, apresentado<br />
pelo olhar do narrador, nos conduz ao cerne da questão em que se baseia a construção<br />
dos papeis exercidos numa sociedade patrilinear. O narrador, atrelado e influenciado<br />
pelo cânone literário e cultural naturalista, representa esta relação como algo patológico,<br />
herança da genética de Bom-Crioulo. Assim, através de um jogo de interesses,<br />
notadamente burgueses, que perpassam o romance, o narrador circunscreve, deste<br />
modo, as múltiplas faces da homogenitalidade masculina a questões deterministas.<br />
Questões essas que condenam esta categoria e as reduzem ao termo ‘homossexual’ que,<br />
ao ser criado, já trazia em si marcas de negatividade, “dando-lhe uma essência nominal<br />
e uma realidade objetiva inexistente antes da radicalização e da moralização burguesa<br />
do sexo nos finais do século XIX e começo do XX” (COSTA, 2002, p.60).<br />
No romance é observável o respaldo que é dado, pelo narrador, à conduta<br />
comportamental virilizada, ainda que no interior de uma relação homossexual. Bom-<br />
Crioulo indica aos seus leitores que, dentro daquele mundo e de suas organizações<br />
rigidamente marcadas, o jogo de poder é exercido pela força que emana do falus, ao<br />
sujeitar e submeter o outro, através das múltiplas manifestações de poder, inclusive as<br />
sexuais, legalmente associadas ao desempenho da masculinidade “autorizada” a se<br />
manifestar. Aleixo, - o femeado - por quem Bom-Crioulo - o ativo - está apaixonado, é<br />
induzido por Amaro a descobrir zonas de prazer que o desprivilegiam perante seus pares<br />
masculinos, já que está exercitando papel sexual não condizente, por atavismo cultural,<br />
a sua identidade e a seu gênero. Ao permitir e ceder ao desejo sexual de ser passivo,<br />
Aleixo deixa à mostra a instabilidade do alicerce da cultura machista que está fincada no<br />
ato de penetração, como o modelo compulsório positivo a seguir por todos os homens.<br />
No século XIX, seguindo o pensamento de Sohn (2009), a questão da masculinidade<br />
tinha como fulcro a valorização do pênis. Deste modo, segundo ela, aquele que era ativo