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ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...

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alegoria contraceptiva da casa imperial portuguesa e coloca em xeque a sobrevivência<br />

da própria nação, caso não houvesse uma mudança drástica e urgente nos destinos<br />

políticos da pátria portuguesa. A implantação do regime republicano em Portugal, ponto<br />

de vista sustentado através das ironias em que o narrador vilipendia os nobres<br />

portugueses, deveria ser a solução para um novo Portugal.<br />

188<br />

As áreas de interesse que mais prontamente geram ironia são, pela<br />

mesma razão, as áreas em que se investe mais capital emocional:<br />

religião, amor, moralidade, política e história. A razão é,<br />

naturalmente, que tais áreas se caracterizam por elementos<br />

inerentemente contraditórios: fé e fato, carne e espírito, emoção e<br />

razão, eu e o outro, dever-ser e ser, teoria e prática, liberdade e<br />

necessidade. (MUECKE, 1995, p.76)<br />

Em Bom-Crioulo vemos, também, subliminarmente aflorada, a questão da<br />

ironia a monarquia brasileira, descendentes diretos da monarquia portuguesa. A<br />

monarquia brasileira “libertou” os escravos, contudo, não deu a esses subsídios para que<br />

se tornassem cidadãos de fato e de direito. Amaro, o Bom-Crioulo, é um ex-escravo<br />

que, por ingenuidade e simplicismo, segundo o olhar irônico do narrador, presta vênia<br />

ao retrato do imperador, já que esse, ao acolhê-lo na marinha, se tornara seu empregador<br />

e, por conseguinte, “livre” da escravidão. Vejamos o que pensa Amaro quando está só<br />

no sótão que alugara na Rua da Misericórdia: “o retrato do imperador sorria-lhe meigo,<br />

com a sua barba de patriarca indulgente. Era o seu homem. Diziam mal dele, os tais<br />

“republicanos”, porque o velho tinha sentimento e gostava do povo...” (BC, p.49).<br />

Amaro, por estar engajado na Marinha Imperial Brasileira, reverencia o monarca, pois<br />

acredita que esse o livrara dos senhores e dos caçadores de escravos fugitivos. Contudo,<br />

contextualmente este culto está sobrecarregado de ironia, já que quando Amaro presta<br />

culto ao ícone ou retrato do imperador, esse está amarelado, pendurado no sótão<br />

empobrecido e não num lugar privilegiado à vista de todos. Essa gravura no quartinho<br />

alugado por Amaro foi herdada de um português que morreu de cólera e que morava,<br />

justamente, neste quarto da hospedaria de Dona Carolina, a velha prostituta portuguesa.<br />

Esta ironia do narrador demonstra que se a família imperial portuguesa colocou seu<br />

próprio país – Portugal- à margem, seus inábeis descendentes no trono brasileiro<br />

também não iriam resolver os problemas políticos e econômicos da ex-colônia.<br />

Outra ironia do narrador refere-se à casa imperial brasileira, herdeira da<br />

“ilustre” casa portuguesa. Esta nos é mostrada no romance, através da velha corveta, na

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