ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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2.3 O patriarcado e a construção da masculinidade na sociedade burguesa<br />
Sem cuidado nenhum, sem respeito nem pesar<br />
Ergueram à minha volta altos muros de pedra.<br />
E agora aqui estou, em desespero, sem pensar<br />
Noutra coisa; o infortúnio a mente me depreda.<br />
E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora!<br />
Quando os ergueram, mal notei os muros, esses.<br />
Não ouvi voz de pedreiro, um ruído de fora.<br />
Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse.<br />
(Kaváfis, Muros)<br />
Nesta seção discutiremos a questão da construção da masculinidade<br />
heterossexual, sempre apresentada como um valor positivo, ou seja, como um lugar<br />
não-marcado dentro dos arranjos sociais patriarcais e burgueses. Além disso, nos<br />
interessa verificar como tais modelos se reproduzem, perpetuando este prestígio dentro<br />
de um espaço supostamente repetidor. “Daí os dispositivos de saturação sexual, tão<br />
característicos do espaço e dos ritos sociais do século XIX. Diz-se frequentemente que a<br />
sociedade moderna tentou reduzir a sexualidade ao casal – ao casal heterossexual, se<br />
possível legítimo” (FOUCAULT, 1985, p.45). Aqui, nosso objetivo não será debater a<br />
masculinidade de maneira estática, especificamente aquela do século XIX, e sim,<br />
verificar, ao longo do desenvolvimento burguês, como foram construídas visões de<br />
masculinidades, a partir de um olhar que se apoia no conhecimento construído até o<br />
momento presente. Isto pode ser mais bem reiterado quando se discute a questão da<br />
construção das identidades, pois é através delas que os mais diversos agrupamentos se<br />
integram ao grupo social por meio de condutas e signos que definem seus respectivos<br />
pertencimentos. É bom frisar que esta identidade só valerá se for compartilhada ou<br />
reconhecida pelos membros do grupo já que, como aponta Bauman (1998, p.260), “a<br />
tentação de compartilhar é esmagadora”, devido a necessidade de afirmação grupal.<br />
Deste modo, podemos afirmar que a identidade tende a ser moldada pela<br />
convivência e pelos processos sociais de aglutinação entre os indivíduos pelos quais<br />
somos alimentados em nosso dia-a-dia. Neste desencadeamento vão surgindo os valores<br />
que são cultuados pelos diversos grupos sociais. Assim, a questão da masculinidade<br />
heterossexual é utilizada como norma para a garantia dos valores de dominação e poder,<br />
de modo que é auferida legitimidade e positividade a tudo e a todos que estiverem<br />
vinculados a esta categoria dentro dos arranjos dos grupos patriarcais. O medo de perder<br />
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