10.10.2013 Views

ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...

ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...

ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Ao longo do romance, a punição dos personagens por prática sexuais<br />

consideradas desviantes está em total acordo com o que se percebe nos códigos de<br />

sociedades marcadamente patriarcais. Em tais segmentos, a homossexualidade se opõe<br />

aos valores histórico-culturais baseados em mitos culturais erigidos em torno da<br />

masculinidade centralizadora e não marcada negativamente. Assim, em Bom-Crioulo, o<br />

narrador representa a prática da homossexualidade como algo indesejável, inserida no<br />

terreno do proibido. Dessa forma, os personagens sexualmente desviantes, no caso,<br />

destacadamente Amaro e Aleixo, são dignos de sofrer castigos em seus corpos, o que é<br />

explicitado em várias passagens do texto. Como Amaro fora o transgressor, o que<br />

tomara iniciativa, “corrompendo” o mais jovem, é seu corpo que merece imediata<br />

punição.<br />

O narrador fecha a questão e posiciona-se a favor dos padrões sexuais<br />

herdados do judaísmo, baluarte do patriarcalismo, em que a fertilidade da mulher seria<br />

uma benção de Deus – solo fértil, enquanto outras práticas sexuais, divergentes daquela<br />

centrada na fecundação, seriam desvios amaldiçoados, imperdoáveis. Portanto, não<br />

haveria muita esperança de redenção a quem exercesse formas sexuais<br />

deuterocanônicas. O que se reconhece em Bom-Crioulo é o interesse do narrador em<br />

positivizar as incongruências que norteavam as excludentes teorias científicas do final<br />

do século XIX e a negativizar os papeis sexuais exercidos fora do modelo padronizado.<br />

Na verdade, a questão da configuração da masculinidade, dentro de sistemas<br />

patriarcais, deve ser obrigatoriamente exercitada pelo homem como forma de não<br />

abdicar dos privilégios que essa lhe outorga. Essa pode ser reconhecida em várias<br />

passagens do romance: Bom-Crioulo, visto como macho e viril, é sempre descrito como<br />

aquele que domina, aquele que detém o controle dos fatos e das coisas; Aleixo nos é<br />

apresentado como o protótipo feminino, ou seja, aquele que é dominado e seduzido.<br />

Logo na primeira relação sexual estabelecida entre os dois personagens, o narrador nos<br />

demonstra o lugar hierárquico dos papeis sexuais que cada um dos dois assume em tais<br />

trocas: o que é ativo fica “em cima” e o que é passivo está “em baixo”. Portanto, em<br />

Bom-Crioulo, o lugar do súcubo e do íncubo na relação, continua determinando as<br />

formas de poder estabelecidas pela tradição. Essa hierarquização é demonstrada, na<br />

narrativa, tanto entre os dois personagens como também dentro da sociedade patriarcal<br />

em que esses estão inseridos, como se percebe na seguinte citação, onde ecoa a voz do<br />

narrador sobre os desejos de Aleixo:<br />

108

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!