ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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qualquer conveniência de caráter social. Ela não se adapta a qualquer modelo ético de<br />
relação” (NUNES FILHO, 1997, p.133).<br />
Eros, desconhecedor de diferenças raciais, fazendo discípulos em qualquer<br />
lugar e de quem bem quiser, é a força propulsora que está mais imbricada na pele do<br />
personagem Amaro, podendo fazê-la jorrar a qualquer momento. É, justamente, este<br />
deus grego, de civilização preceptora do ideal e da estética branca que, varando o<br />
coração do nosso personagem principal, vai transformar “Bom-Crioulo em “o<br />
erotômano” da Rua da Misericórdia, caindo de êxtase perante um efebo nu, como um<br />
selvagem do Zanzibar diante de um ídolo sagrado pelo fetichismo africano a ressurgir<br />
milagrosamente” (BC, p.61).<br />
Bom-Crioulo, que permanece numa pureza quase virginal até os trinta anos,<br />
perde a cabeça – sob a égide de Eros – pelo jovem efebo. Na Grécia ou em Zanzibar o<br />
objeto do desejo torna-se fetiche, desrespeitando os dogmas de classe, idade, gênero ou<br />
raça. “A paixão cai como um impacto sobre o eu, que passa então à mercê, sujeito a ela,<br />
impotente. A paixão toma conta do eu a revelia” (CRITELLI, 1992, p.19). A interdição<br />
da mistura racial é violada devido à inconvencionalidade da cobiça do apaixonado, mas<br />
é bom lembrar que como a relação Amaro/Aleixo é de cunho homossexual, há uma<br />
dupla violação da regra. Duplo tabu desmoronado por Eros.<br />
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De qualquer modo, estava justificado perante sua consciência, tanto<br />
mais quanto havia exemplos ali mesmo a bordo, para não falar em<br />
certo oficial de quem se diziam cousas medonhas no tocante à vida<br />
particular. Se os brancos faziam, quanto mais os negros. É que nem<br />
todos têm força para resistir: a natureza pode mais que a vontade<br />
humana. (BC, p.32)<br />
Bom-Crioulo, através da voz do narrador, busca aqui justificar-se perante si<br />
mesmo, por praticar “cousas medonhas” no terreno sexual, passando a comparar-se aos<br />
brancos de igual comportamento. Se estes podiam, então o negro, que estava em uma<br />
escala inferior ao branco no patamar da moral, também tinha tal direito. Amaro assume,<br />
assim, o ideal do ego do branco. A cultura hegemônica advinda do patriarcado cristão<br />
branco passa a ser diretriz também para Bom-Crioulo. É justamente através de tais<br />
justificativas às avessas que Amaro adota o padrão de raciocínio do opressor branco na<br />
tentativa de, pela comparação, desculpabilizar o que ele considera em si “ato culposo”.