ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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modo, observamos que “assumir uma paixão exige, pois, disposição para enfrentar<br />
perigos, temores, sofrimentos, incertezas. É o que se pode chamar de experiência da<br />
perdição” (NUNES FILHO, 1997, p.133). Obviamente tal “perdição” seria muito mais<br />
pronunciada quando tal relação acontecia entre pessoas do mesmo sexo, dentro de um<br />
mundo naturalista-determinista inserido no Brasil conservador do final do século XIX.<br />
Após ser espancado, quase até a morte, no navio em que estava engajado,<br />
prática corriqueira nos navios da Marinha Imperial Brasileira, Bom-Crioulo é<br />
enclausurado dentro do hospital da marinha e submetido a um isolamento que só fazia<br />
realçar sua paixão desmedida. Então, Amaro planeja “um meio de fugir, de abandonar o<br />
hospital em procura do grumete (...). Mas como fugir? Como iludir a vigilância das<br />
sentinelas?” (BC, p.64). Pensa em Aleixo em todos os momentos, a separação do<br />
amante leva-o a loucura, ao desespero. Amaro sente uma saudade incontrolável: “Seu<br />
consolo neste abandono de galé, nessa espécie de viuvez d’alma, era o retrato de Aleixo,<br />
uma fotografia de baixo preço tirada na Rua do Hospício, quando ele e o pequeno ainda<br />
moravam juntos na corveta” (BC, p.61). A vida triste no hospital aumentava-lhe o tédio<br />
e o desassossego, aborrecendo-o a ponto de desesperá-lo. Aquela situação era um<br />
castigo sem nome e sem par para ele. Justamente ele, que precisava de liberdade para<br />
vivenciar seu desejo, para proceder conforme seu temperamento e usufruir de seu amor<br />
emocional e físico por Aleixo. “A separação lenta que se segue ao “distanciamento”<br />
mútuo é um longo e doloroso processo comparável a uma doença crônica” (CARUSO,<br />
1984, p.15).<br />
Percebe-se, nesse afastamento físico imposto aos amantes, que o narrador<br />
isola e restringe a prática homossexual estabelecida entre os dois marinheiros, punindo<br />
o protagonista não só por amar outro homem, mas principalmente por este querer<br />
assumir esta relação nos moldes estabelecidos pela família patriarcal burguesa. A voz<br />
narrativa nos faz compreender que há brechas sociais em que a homossexualidade pode<br />
circular; contudo, tal prática não deve se manifestar às claras, escancaradamente, pois<br />
suas fronteiras devem estar circunscritas a certas áreas ou microterritórios. A<br />
homossexualidade só pode ser praticada às escondidas, em espaços específicos, ou seja,<br />
em guetos que transgridem o status quo estabelecido pelo normatizado, mas sempre sob<br />
os olhares policialescos e permitidos, de alguma maneira, pelo social “legalizado” e<br />
“legitimado”.<br />
Seguindo a análise do romance, observamos que Bom-Crioulo sofre e sente<br />
ódio pelo amante que tanto cobiça, principalmente quando é informado de que Aleixo<br />
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