ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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pelo dominante. O europeu branco, através de sua civilização hegemonizada em suas<br />
diversas formas de representação, é responsável pela inferiorização e exploração dos<br />
povos colonizados nos processos de fundação das sociedades fora da Europa. Neste<br />
contexto, tudo que não estava dentro do cânon judaico-cristão e não seguia a cartilha<br />
apregoada por seus teóricos e sua “ciência” era desprezado. Assim, conforme este<br />
raciocínio, as práticas sexuais fora do heterossexualismo hegemônico reprodutor passam<br />
a ser demonizadas e abominadas. A relevância do status da heterossexualidade<br />
acontecia por causa do atavismo histórico que a privilegiava dentro da cultura patriarcal<br />
judaica e cristã. O europeu branco impondo seus valores culturais aos colonizados,<br />
coloca índios, negros, amarelos, etc. no patamar de grupos subordinados e, ao mesmo<br />
tempo, demoniza diversas práticas aprovadas nas mais diferentes culturas dos<br />
considerados “estrangeiros”, inclusive as práticas homossexuais que faziam parte da<br />
cultura de alguns grupos. Assim, os colonizadores que se consideram donos de uma<br />
cultura “superior” e “pura” tentam enclausurar os outros povos sob sua ótica do que é<br />
bom e o que é mau. A elite intelectual brasileira continuadora da cultura europeia não<br />
deixava de pensar do mesmo modo.<br />
155<br />
A paranóia de certa elite cultural brasileira diante da<br />
homossexualidade aflora generosamente quando das periódicas<br />
“descobertas” e desaprovação do “vício da pederastia” entre os<br />
índios brasileiros. Tal reação talvez tenha seus precedentes nas<br />
impressões negativas deixadas pelo naturalista bávaro Karl Friedrich<br />
Philipp von Martius, que viveu e pesquisou no Brasil por três anos, a<br />
partir de 1817, quando ainda muito jovem. Estudando nossos<br />
silvícolas, von Martius concluiu que traziam “na infantil velhice, o<br />
cunho de uma degeneração continuada por milênios”. Como<br />
exemplo dessa “degeneração”, ele apontava o fato de estarem “estes<br />
autóctones maculados pelo peccatum nefandum e pela antropofagia.<br />
(TREVISAN, 2000, p.215)<br />
Estas teorias que apregoavam a superioridade da raça branca eram advindas<br />
do Velho Continente e foram importadas por grande parte dos intelectuais brasileiros do<br />
final do século XIX e início do XX. Como país receptor de ideias, recém assumindo sua<br />
independência, o Brasil tornava-se vulnerável a teorias advindas da Europa “civilizada”.<br />
Quando essas aportaram em nossas plagas, serviram tanto para respaldar interesses<br />
coloniais como também para exercer a função de instrumento conservador para<br />
manutenção do status quo, em que as relações entre a elite e os grupos raciais<br />
considerados inferiores eram bem delimitadas e inflexíveis.