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ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...

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sexualidade padronizada, os impelia na direção da solidão e da morte social. “Subiram<br />

cautelosos, por ali acima, uma escada triste e deserta cujos degraus íngremes,<br />

ameaçavam fugir sob seus pés” (BC, 34). Vejamos que, segundo o narrador, quanto<br />

mais Amaro e Aleixo vivenciassem relaxadamente seu amor estigmatizado<br />

negativamente, mais estariam ameaçados de serem destruídos por causa das normas<br />

canônicas nas quais tem de girar as práticas sexuais impostas pela moral sexual cristã<br />

pequeno-burguesa.<br />

Este quartinho no sótão, quase rente às telhas, cheirando a ácido fênico -<br />

local onde sabem ter morrido um português - com uma cama de vento “já muito usada,<br />

sobre a qual Bom-Crioulo tinha o zelo de estender, pela manhã, quando se levantava,<br />

um grosso cobertor encarnado para ocultar as nódoas” (BC, p. 38), parece isolar a<br />

paixão entre os dois – representada simbolicamente pelo lençol vermelho e literalmente<br />

pelas manchas de esperma – num espaço intermediário entre o céu e a terra, afastado<br />

dos olhares inquisidores. Esse era um dos poucos lugares legitimamente permitidos,<br />

onde eles poderiam exercitar “abertamente” aquela paixão transgressora. Neste sótão<br />

que eles tentavam esconder a “nódoa” que os acompanhava. O cheiro do ácido fênico<br />

que emana do quarto do casal indica assepsia, utilizado na limpeza do quarto para<br />

afastar o risco da febre amarela da qual morrera o português, mas, também, serve para<br />

demarcar que esta paixão doente, precisava de isolamento, para não contaminar a moral<br />

vigente. O ácido fênico, ao mesmo tempo, dissimularia qualquer vestígio de odor das<br />

práticas sexuais que havia entre estes dois homens, afastando, assim, os riscos de<br />

punição que estes sofreriam se fossem descobertos como um casal pretenso “legítimo”,<br />

mas, na verdade, deslegitimado pelos parâmetros burgueses.<br />

Segundo o narrador, o mundo de Amaro se concentra no trabalho, mas nas<br />

horas de folga seus pensamentos voam em direção ao objeto amado, Aleixo, e ao<br />

quartinho da Rua da Misericórdia, espaço de cumplicidades, afastado dos olhares e da<br />

maledicência dos preconceitos e no qual eles podiam prestar tributo a Eros. Este sótão<br />

da pensão e Aleixo eram para Amaro o princípio e o fim, o restante não tinha qualquer<br />

importância. O amor entre os dois, inicialmente, e mesmo em todo momento<br />

transgressor, vai tomando ares de sentimento pequeno-burguês, em que a fidelidade<br />

seria fator de grande valor. Mas essa felicidade de Bom-Crioulo escapa ao seu controle.<br />

Ele é separado de Aleixo ao ser transferido para trabalhar em outro navio e o<br />

relacionamento deles, antes intensamente vivido, passa a ser marcado por ausências,<br />

desencontros permanentes e esporádicos encontros. Carola Bunda aproveita essas<br />

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