ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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distanciado e perdido. Pensando no abandono, passa a odiar cada vez mais o grumete,<br />
“o causador de todos seus males” (BC, p.71). Neste conflito e em plena loucura, não<br />
havia espaço em sua mente para o exercício da razão. “Bom-Crioulo só tinha uma idéia:<br />
vingar-se do efebo, persegui-lo até a morte, aniquilá-lo para sempre!” (BC, p.71).<br />
Amaro perdera a capacidade de decisão, se é que essa é possível nos devaneios dos<br />
apaixonados. Não conseguia fugir da obsessão que o consumira por inteiro. O<br />
sentimento nasceu e desenvolveu-se como uma erupção vulcânica, destroçando tudo<br />
que havia em seu mundo, se contrapondo aos parâmetros morais. Amaro foge do<br />
hospital, sabendo o que buscava; e vai em direção a Aleixo, sua paixão – para vivenciá-<br />
la ou exterminá-la. Assim,<br />
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O negro não teve dúvida, ergueu-se (...), amarrou na cintura uma<br />
navalha de marinheiro que o acompanhava sempre, vestiu, por baixo<br />
da roupa branca de doente, a camisa de gola, e voltou cauteloso,<br />
perscrutando o silêncio e a escuridão. Depois foi tudo muito rápido;<br />
deu volta ao cabo na janela, um cabo grosso trançado, e – que os<br />
pariu! – saltou fora. (BC, p.74-75)<br />
Após a fuga, Amaro pega um bote, e depois de alcançar o porto, chega<br />
rapidamente à Rua da Misericórdia, mais precisamente à padaria próxima à casa de<br />
Carola Bunda, procurando colher informações sobre Aleixo, ao mesmo tempo em que<br />
ansiava por vê-lo passar. Na padaria, Amaro descobre que Aleixo estava amasiado com<br />
a proprietária da casa em que morava. Neste momento ele estremece e fica aturdido.<br />
“Aleixo amigado com a portuguesa, com a D. Carolina! Era inacreditável uma falta de<br />
vergonha, um escândalo” (BC, p.78). É então que surge a figura do grumete, apertado<br />
em seu traje de marinheiro azul e branco. Amaro salta num impulso de virilidade felina<br />
em direção à presa, na verdade, seu ex-amado, agora odiado. Neste momento ele age<br />
dominado pelos valores de dominação e poder que estão agregados à questão da<br />
masculinidade dentro de grupos patriarcais – o homem não pode ser traído – e, como<br />
Amaro é o pólo supostamente masculino da relação homossexual, segundo o narrador,<br />
sente que pode e deve vingar-se da afronta da traição, em nome da honra.<br />
Aliás, destacamos que a escolha desta rua, pelo narrador, para fixar a<br />
residência dos amantes masculinos - uma entre tantas permissivas na capital da Corte<br />
brasileira, onde ficava o sótão em que moravam e se escondiam Amaro e Aleixo, é<br />
carregada de simbolismo, já que ‘misericórdia’ é palavra que significa, segundo o<br />
Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, tanto compaixão despertada pela miséria