ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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sensual como um fetiche diante de um símbolo de ouro ou como um<br />
artista diante duma obra-prima. Ignorante e grosseiro, sentia-se,<br />
contudo, abalado até os nervos mais recônditos, até as profundezas<br />
do seu ser moral e físico... (BC, 39).<br />
Nesta citação podemos vislumbrar o início das inquietações de Amaro<br />
quanto a sua prática homossexual. Ele que até então, aos trinta anos, se mantivera<br />
virgem de mulheres e de homens, sentira-se impelido sexualmente em direção a Aleixo.<br />
Assim, vemos esboçado em Amaro, segundo o narrador, um desejo incontrolável pelo<br />
grumete Aleixo, mesmo que o primeiro continue a agir como conquistador e que ainda<br />
não queira abrir mão dos privilégios herdados por ser homem.<br />
Reconhecia que fizera mal, que devia ser punido, que era tão bom<br />
quanto os outros, mas, que diabo! Estava satisfeito: mostrara ainda<br />
uma vez que era homem (...) Depois, estimava o grumete e tinha<br />
certeza de o conquistar inteiramente, como se conquista uma mulher<br />
formosa, uma terra virgem, um país de ouro...Estava satisfeitíssimo!<br />
(BC, p.16)<br />
Na Bíblia, Lv 18,22, já se vê esta analogia e condenação do homem que se<br />
deita com outro homem como se fosse uma mulher. O narrador, revestido deste<br />
atavismo cultural, quer nos passar esse dado, para também condenar a relação<br />
Amaro/Aleixo. Na verdade, o que se vê também é uma tentativa de direcionar a desejo<br />
sexual, que só poderia se manifestar em direção ao sexo oposto. A feminilização do<br />
corpo de Aleixo, pelo narrador, atende estas prerrogativas. “E vinha-lhe à imaginação o<br />
pequeno com os olhinhos azuis com o seu cabelo alourado, com suas formas<br />
rechonchudas, com o seu todo provocador.” (BC, p.23). Desta descrição, é patente que o<br />
grumete, para ser desejado por Bom-Crioulo, tem que ser travestido de mulher,<br />
reafirmando o binarismo como regulador dos gêneros. Aleixo, assim, nos é apresentado,<br />
pelo narrador como objeto angelical, sedutor, diabólico e feminino, imagem esta<br />
associada à Eva, que induz Adão sedutoramente a comer do fruto proibido. Aqui,<br />
observamos, também, que toda economia erótica, que norteia seus princípios através da<br />
heteronormatividade, trabalha com a questão de oposição do masculino em relação ao<br />
feminino, tentando demonstrar que “o gênero não somente designa as pessoas, as<br />
“qualifica”, por assim dizer, mas constitui uma episteme conceitual mediante a qual o<br />
gênero binário é universalizado.” (BUTLER, 2010, p.43).