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ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...

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O desenrolar do enredo nos mostra que, antes que a velha corveta chegue ao<br />

porto, o amor vivido pelos dois marinheiros, que passara de mero desejo, pois ocorrera<br />

em alto-mar, já marcara suas existências: “a claridade não chegava sequer à meia<br />

distância do esconderijo onde eles tinham se refugiado. Não se viam um ao outro: se<br />

sentiam e adivinhavam-se por baixo dos cobertores” (BC, p.30). Ali, nesse encontro<br />

marítimo, tudo fluiu no encadeamento do prazer e da paixão, sem deixar de nomear que<br />

a questão de poder estava sobremaneira agregada a este. No entanto, assim que a<br />

corveta ancora em terra firme, tinha-se de abandonar o mundo fluido, já que o território<br />

agora era outro, apesar das regras heteronormativas serem as mesmas tanto na terra<br />

como no mar, naquela, elas eram mais definidas e inflexíveis. Como qualquer outro<br />

casal, Amaro e Aleixo descem do navio em direção à Rua da Misericórdia, procurando<br />

por um lugar onde possam se estabelecer. O tempo do amor flutuante, da conquista, já<br />

passara. Agora eles sentiam necessidade de um amor mais estabilizado, de modo que<br />

pudessem continuar o “amor” ad eternum, seguindo a lei “quem casa quer casa,” de<br />

herança burguesa.<br />

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Quase um ano de convivência fora o bastante para que ele se<br />

identificasse absolutamente com o grumete, para que o ficasse<br />

conhecendo, e a convicção de que Aleixo não o traía entregando-se<br />

à fúria selvagem de qualquer marmanjo, a certeza de que era<br />

respeitado pelo outro, comunicava-lhe essa tranqüilidade confiante<br />

de marido feliz, de capitalista zeloso que traz o dinheiro guardado<br />

inviolavelmente. (BC, p.41)<br />

Ainda que a relação entre os dois carregue essa nuance pequeno-burguesa<br />

de ideal de família estabelecida, obviamente, na prática, esta não perde seu caráter de<br />

relação marginalizada, pois transgredia aquele ideal.<br />

Quando o casal de amantes homossexuais chega à Rua da Misericórdia e<br />

sobe a escada que os levaria ao sótão, - espaço que Amaro alugara na pensão de D.<br />

Carola Bunda, onde passariam a residir quando estivessem em terra firme – há indícios<br />

que seus pés não estavam calcados sobre degraus de firme sustentação naquela escada<br />

“triste e deserta”. Na verdade, isto parece indicar que aquela relação homossexual os<br />

levaria a tristeza, ao isolamento e que, ao mesmo tempo, esta escalada poderia destruir a<br />

ambos, pois ela não dava suporte adequado para sustentar o peso do opróbrio que viria a<br />

cair sobre eles, caso insistissem naquela relação amorosa. A paixão entre os dois, ao<br />

ultrapassar as fronteiras reguladoras e separativas do “certo” e do “errado” no campo da

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