ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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Vemos que o estigma negativo, que o barão carrega como fardo genético,<br />
aumenta exponencialmente sua sensibilidade, sendo sua patologia psicossomática,<br />
herança de seus ascendentes. Os descompassos sexuais do barão seguem os passos do<br />
seu descalabro moral, físico e da sua derrocada econômica. Todos estes sintomas de<br />
degeneração estão associados ao intercâmbio sexual perpetrados pelos “promíscuos”<br />
ascendentes do barão. Raça, sexualidade e mistura das classes sociais, deste modo,<br />
imbricadas se intercambiam no personagem-título para mostrar a feminização do povo<br />
português. A cultura da época, baseada no ponto de vista dos colonizadores brancos<br />
cristãos europeus em defesa de sua civilização e de seu status social, defendia que tanto<br />
a mistura do colonizador com os povos inferiores das colônias, como a misturas entre as<br />
diversas classes sociais gerariam indivíduos degenerados não só em suas práticas<br />
sexuais, mas também indivíduos desregrados socialmente. O fruto deste intercâmbio<br />
sexual entre povos em diferentes estágios civilizatórios e de raças distintas ameaçaria o<br />
equilíbrio social e mesmo a própria civilização ocidental, já que os descendentes desta<br />
mistura não saberiam conter seus desejos sexuais desenfreados. Mesmo que se<br />
acreditasse que a mistura das raças geraria descendentes inférteis, o intercâmbio sexual<br />
não era bem visto.<br />
O Barão, dominado pelos seus desejos impróprios em direção ao outro igual<br />
em gênero, dá suporte às “verdades” apregoadas científica e popularmente pelos<br />
colonizadores. Seguindo esta linha de pensamento, mesmo antes de perder-se em paixão<br />
por Eugênio, o barão já havia sido marcado pelas gerações anteriores a sua, em linha<br />
direta de seus ascendentes, pelo germe do “descontrole no campo dos instintos sexuais<br />
desenfreados” e das “patologias” que adviriam desta mistura bastarda, inclusive por<br />
uma doença sexualmente transmissível que o deixara infértil. Vejamos trechos em que<br />
podemos confirmar este pensamento: “O barão garfava por enxertia duplamente<br />
bastarda em duas das mais antigas e ilustres famílias de Portugal” (BL, p.25); “a<br />
etiologia moral do barão seguia fatal na sua escala deprimente” (BL, p.36) e do<br />
casamento do barão como “correctivo” (BL, p.35), não houvera filhos, já que “uma<br />
orquite dupla anulara no barão, quando solteiro, a faculdade de procriar” (BL, p36).<br />
A questão da não mistura das raças continua sendo alicerçada na narrativa<br />
botelhiana de maneira irônica até mesmo na escolha do nome do amante do barão –<br />
Eugênio. Este substantivo próprio é derivado de “Eugenia, s.f. - Ciência que tem por<br />
objeto o estudo dos fatores que, sob o controle social, possam melhorar ou prejudicar,<br />
física e mentalmente, as qualidades raciais das gerações futuras” (HOLLANDA, 1966,<br />
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