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ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...

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econhecer que concedendo às personagens o privilégio da introspecção ou permitindo a<br />

directa representação de diversas manifestações do seu universo onírico, o narrador<br />

arrisca-se a consentir a revelação de anseios ou frustrações em que nada se liguem aos<br />

interesses da estética naturalista” (REIS, 1980, p.78). Amaro, quando introspectivo,<br />

sente algo ambíguo em relação a sua paixão por Aleixo, seus questionamentos resultam<br />

tanto do fato de praticar a relação homossexual, execrada pela sociedade patriarcal<br />

ocidental, como também, por ser essa uma relação sexual interracial. Vejamos o que se<br />

passa na mente de Bom-Crioulo: “Aquilo não ia bem (...). Precisava tomar uma<br />

resolução: abandonar o Aleixo, acabar de uma vez, meter-se a bordo, ou então amigar-<br />

se aí com uma rapariga de sua cor e viver tranquilo” (BC, p.50). É patente nessa<br />

passagem que a intranquilidade e o desassossego de Amaro passam, sem dúvida, tanto<br />

pelo viés das questões de raça e gênero como pelas pressões que sofre por suas escolhas<br />

nada convencionais e deveras transgressoras.<br />

É sabido que os valores estabelecidos hegemonicamente pela sociedade<br />

continuam definindo os indivíduos e os caminhos que esses devem seguir. “Estereótipos<br />

congelam a personalidade, apagam individualidades, dotando o receptor com<br />

características que se adaptam ao ponto de vista a priori do percebedor em relação à<br />

classe social ou étnica, ou ainda, à categoria sexual de sua vítima” (BROOKSHAW,<br />

1983, p.10). Bom-Crioulo sofre com suas dúvidas por suspeitar que sua relação inter-<br />

racial com Aleixo assuma a forma de algo deveras complicado, quase inexequível.<br />

Raciocinando deste modo e sofrendo com o peso das normas da sociedade colonizadora<br />

branca, Amaro passa a questionar seu próprio modus vivendi e tenta assujeitar-se ao<br />

modelo vigente de relacionamento afetivo-sexual para não sofrer. Percebemos, assim,<br />

que as relações de poder influenciam e modelam comportamentos, forçando o sujeito<br />

negro a pensar em comportar-se como branco e o praticante da homossexualidade a<br />

sujeitar-se aos ditames do heterocentrismo.<br />

Em relação às elucubrações que o branco Aleixo, devido à herança da<br />

cultura branca hegemônica, projeta em seus pensamentos sobre o negro Amaro temos<br />

que aquele<br />

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receava ter de o suportar com seus caprichos, com o seu bodum<br />

africano, com seus ímpetos de touro, e esta lembrança, entristecia-o<br />

como um arrependimento. Ficara abominando o negro, odiando-o<br />

quase, cheio de repugnância, cheio de nojo animal com formas de<br />

homem, que dizia ser amigo unicamente para gozar. (BC, p.56)

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