ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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Pela abordagem que Caminha, através de seu narrador, dá a<br />
homossexualidade, ao longo do romance, podemos perceber que ele, por pertencer à<br />
escola naturalista, está interessado em trazer à baila tal temática com todos os<br />
pormenores e nuances, quer esta aconteça na corveta quer no quartinho de sótão da Rua<br />
da Misericórdia. Vejamos como o narrador discorre sobre a relação Amaro/Aleixo:<br />
“decorreu quase um ano sem que o fio tenaz dessa amizade misteriosa, cultivada no alto<br />
da Rua da Misericórdia, sofresse o mais leve abalo. Os dois marinheiros viviam um para<br />
o outro: completavam-se. – vocês acabam tendo filhos, gracejava D. Carolina” (BC,<br />
p.41).<br />
Outro aspecto a salientar na narrativa é que Bom-Crioulo, que se fechara<br />
sexualmente tanto para a camaradagem com seus colegas da marinha, como também<br />
para suas experiências com mulheres, deixa se levar pela corrente do desejo e atração<br />
incontidos, assim que se depara com Aleixo. Vejamos que a paixão de Amaro por<br />
Aleixo está assentada, segundo o narrador, no “desejo fisiológico” entre pessoas de<br />
sexualidades opostas, cumprindo, assim, funções orgânicas.<br />
113<br />
Sua amizade ao grumete nascera, de resto, como nasceram todas as<br />
grandes afeições, inesperadamente, sem precedentes de espécie<br />
alguma, no momento fatal em que seus olhos se fitaram pela<br />
primeira vez. Esse movimento indefinível que acomete ao mesmo<br />
tempo duas naturezas de sexos contrários determinando o desejo<br />
fisiológico de posse mútua, sentiu-a Bom-Crioulo irresistivelmente<br />
ao cruzar a vista pela primeira vez com o grumetezinho (...). O certo<br />
é que o pequeno (...) abalara toda a sua alma, dominando-a,<br />
escravizando-a logo, naquele instante, como uma força magnética de<br />
um imã. (BC, p.21)<br />
Este encontro, que desequilibra Amaro como se ele fosse destroçado por<br />
dentro e por fora, já que ele não se sentia, a partir de então, senhor de si, é<br />
problematizado pelo narrador em diversos momentos da trama. A cobiça de Amaro pelo<br />
mesmo sexo, ou seja, por Aleixo, é forte demais para ser negada, tinha de ser<br />
apresentada como algo incontrolável, uma tara, enfim.<br />
E não era somente questão de possuir o grumete, de gozá-lo como<br />
outrora, lá em cima, no quartinho da Rua da Misericórdia:- era<br />
questão de gozá-lo, maltratando-o, vendo-o sofrer, ouvindo-o<br />
gemer.... Não era somente gozo comum (...). (BC, 74)