ENTRE SILÊNCIOS, NÓDOAS E COBIÇA - CCHLA - Universidade ...
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imputada ao personagem-título funciona como uma condenação antecipada da categoria<br />
do amor que não ousa dizer seu nome e que literalmente deverá levar o barão à morte.<br />
Em Caminha, o narrador, seguindo a tradição de condenação do<br />
homossexualismo, nos apresenta o personagem-título, não em busca de prazer com<br />
diversos jovens do rejeito social, mas a sede tantálica deste é direcionada a um só<br />
jovem. “Ao pensar nisso Bom-Crioulo transfigurava-se de um modo incrível, sentindo<br />
ferroar-lhe a carne, como a ponta de um aguilhão, como espinhos de urtiga brava, esse<br />
desejo veemente – uma sede tantaliza de gozo proibido, que parecia queimar-lhe por<br />
dentro as vísceras e os nervos... (BC, p.23) 15 . Se o narrador procurou condenar a<br />
investida de posse do amado pelo amante para denunciar o homossexual como algo<br />
doentio, seu argumento torna-se falho, pois, na prática, o que podemos salientar é que<br />
em toda relação sexual-afetiva, seja ela hetero, homo ou bissexual, a tentativa da posse<br />
do objeto cobiçado por aquele que deseja é basilar.<br />
Na verdade, a civilização ocidental, ao exercer sobre os seres humanos<br />
poderes coercitivos nos mais diversos campos de representação da heterossexualidade,<br />
arbitrou como ilegal as práticas de sexualidades outras. A partir deste processo, a<br />
heterossexualidade, que é apenas uma entre tantas manifestações de sexualidade, passou<br />
a ganhar o status de naturalizada. Assim, o que é particular, histórico e cultural ganha<br />
legitimidade de público, hegemônico e universal. Contudo, mesmo que os narradores<br />
dos dois romances sigam este ponto de vista, até porque estão seguindo a ótica da<br />
estética naturalista, abrem espaços para outras leituras dos personagens das tramas. Na<br />
verdade, nelas a heterossexualidade é fato inconteste. No entanto, a presença nos<br />
romances de personagens-título praticantes do homossexualismo, em pleno final do<br />
século XIX, demonstra que estas práticas existem para questionar as tradições<br />
cultuadas, desvelando-as, inclusive. Ao mesmo tempo, estas narrativas, fazendo emergir<br />
das sombras os silenciados de Eros, marcam nas literaturas portuguesa e brasileira do<br />
Oitocentos, um ponto inicial para que personagens diferentemente posicionados no que<br />
se refere à sexualidade surjam como protagonistas.<br />
No caso dos personagens-título, observamos que a vigilância ostensiva e<br />
coercitiva heterossexual incute neles disfarces para que não sejam descobertos em suas<br />
práticas excludentes, mesmo que à meia-boca as relações deles já sejam fontes de<br />
15 Aqui há comparação e alusão direta que o narrador faz do pecado da carne de Bom-Crioulo com o<br />
pecado da carne de São Paulo que está em 1 Coríntios. Vejamos a transcrição da passagem bíblica: “O<br />
aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a Lei” (1 Cor 15,56)<br />
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