22o pintam de jenipapo, e lhe ting<strong>em</strong> os pés de vermelho, e meten<strong>do</strong>-lhe uma espada na mão, para <strong>que</strong><strong>se</strong> defenda como puder, o levam assim ata<strong>do</strong> a um terreiro fora da aldeia, e o met<strong>em</strong> entre <strong>do</strong>ismourões, <strong>que</strong> estão meti<strong>do</strong>s no chão, afasta<strong>do</strong>s um <strong>do</strong> outro alguns 20 palmos, os quais estãofura<strong>do</strong>s, e por cada furo met<strong>em</strong> as pontas das cordas, onde o preso fica como touro, e as velhas lhecantam, <strong>que</strong> <strong>se</strong> farte de ver o sol, pois ce<strong>do</strong> o deixará de ver, e o cativo responde com muitacorag<strong>em</strong>, <strong>que</strong> b<strong>em</strong> vinga<strong>do</strong> há de <strong>se</strong>r, então vão buscar o <strong>que</strong> há de matar a sua casa to<strong>do</strong>s os <strong>se</strong>usparentes, e amigos, onde o acham já pinta<strong>do</strong> de tinta de jenipapo com carapuça de penas na cabeça,manilhas de ossos nos braços, e nas pernas grandes ramais de contas ao pescoço, com <strong>se</strong>u rabo depenas nas ancas, e uma espada de pau pesada de ambas as mãos mui pintada, com cascas d<strong>em</strong>ariscos pegadas com cera, e no cabo e <strong>em</strong>punhadura da espada grandes penachos; e assim otraz<strong>em</strong> com grandes cantares, e tangeres de <strong>se</strong>us búzios, gaitas e tambores, chaman<strong>do</strong>-lhe b<strong>em</strong>aventura<strong>do</strong>,pois chegou a tamanha honra, e com este estron<strong>do</strong> entra no terreiro, onde o paciente oespera, e lhe diz <strong>que</strong> <strong>se</strong> defenda, por<strong>que</strong> v<strong>em</strong> para o matar, e logo r<strong>em</strong>ete a ele com a espada deambas as mãos, e o padecente com a sua <strong>se</strong> defende, e ainda às vezes ofende, mas como os <strong>que</strong> ot<strong>em</strong> pelas cordas o não deixam desviar <strong>do</strong> golpe, o mata<strong>do</strong>r lhe <strong>que</strong>bra a cabeça, e toma nome, <strong>que</strong>depois declara com as cerimônias <strong>que</strong> vimos no capítulo passa<strong>do</strong>.Em morren<strong>do</strong> este preso, logo os velhos da aldeia o despedaçam, e lhe tiram as tripas eforçura, <strong>que</strong> mal lavadas coz<strong>em</strong> para comer, e reparte-<strong>se</strong> a carne por todas as casas, e peloshóspedes, <strong>que</strong> vieram a esta matança, e dela com<strong>em</strong> logo assada, e cozida, e guardam alguma muitoassada, e mirrada, a <strong>que</strong> chamam moquém, metida <strong>em</strong> novelos de fio de algodão, e posta noscaniços ao fumo, para depois renovar<strong>em</strong> o <strong>se</strong>u ódio, e fazer<strong>em</strong> outras festas, e <strong>do</strong> cal<strong>do</strong> faz<strong>em</strong>grandes alguidares de migas, e papas de farinha de carimã, para suprir na falta de carne, e poderchegar a to<strong>do</strong>s; o <strong>que</strong> o matou nenhuma coisa come dele, antes <strong>se</strong> vai logo deitar na rede, e <strong>se</strong> fazto<strong>do</strong> sarrafaçar, e sangrar, ten<strong>do</strong> por certo <strong>que</strong> morrerá <strong>se</strong> não derrama de si a<strong>que</strong>le sangue, n<strong>em</strong> fazo cabelo dali a <strong>se</strong>te ou oito me<strong>se</strong>s, os quais passa<strong>do</strong>s faz muitos vinhos, e apelida os amigos parabeber e cantar, e com essa festa <strong>se</strong> tos<strong>que</strong>ia, dizen<strong>do</strong> <strong>que</strong> tira o dó da<strong>que</strong>le morto, e é tão cruel estegentio com os <strong>se</strong>us cativos, <strong>que</strong> não só os matam a eles, mas <strong>se</strong> acontece a algum haver filho damoça <strong>que</strong> lhe deram por mulher, a obrigam <strong>que</strong> o entregue a um parente mais chega<strong>do</strong>, para <strong>que</strong> omate, qua<strong>se</strong> com as mesmas cerimônias, e a mãe é a primeira <strong>que</strong> lhe come a carne; posto <strong>que</strong>algumas, pelo amor <strong>que</strong> lhes têm, os escond<strong>em</strong>, e às vezes soltam também os presos, e <strong>se</strong> vão comeles para suas terras, ou para outras.LIVRO SEGUNDODA HISTÓRIA DO BRASIL NO TEMPO DO SEU DESCOBRIMENTO
23CAPÍTULO PRIMEIRODe como <strong>se</strong> continuou o descobrimento <strong>do</strong> Brasil, e <strong>se</strong> deu ord<strong>em</strong> a <strong>se</strong> povoarPosto <strong>que</strong> el-rei d. Manuel, quan<strong>do</strong> soube a nova <strong>do</strong> descobrimento <strong>do</strong> Brasil, feito porPedro Álvares Cabral, andava mui ocupa<strong>do</strong> com as conquistas da Índia Oriental, pelo proveito <strong>que</strong>de si prometiam, e com as de África pela glória e louvor, <strong>que</strong> a <strong>se</strong>us vassalos delas resultava, nãodeixou, quan<strong>do</strong> teve ocasião de mandar uma armada de <strong>se</strong>is velas, e por capitão-mor delas GonçaloCoelho, para <strong>que</strong> descobris<strong>se</strong> toda esta costa, o qual an<strong>do</strong>u por ela muitos me<strong>se</strong>s descobrin<strong>do</strong>-lhe osportos e rios, e <strong>em</strong> muitos deles entrou e as<strong>se</strong>ntou marcos, com as armas del-rei, <strong>que</strong> para isso trazialavra<strong>do</strong>s, mas pela pouca experiência <strong>que</strong> então <strong>se</strong> tinha de como corria a costa, e os ventos com<strong>que</strong> <strong>se</strong> navega, passou tantos trabalhos e infortúnios, <strong>que</strong> foi força<strong>do</strong> tornar-<strong>se</strong> para o reino comduas caravelas menos, e a t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> <strong>que</strong> já era morto el-rei d. Manuel, <strong>que</strong> faleceu no ano <strong>do</strong>Senhor de 1521; e reinava <strong>se</strong>u filho el-rei d. João Terceiro, ao qual <strong>se</strong> apre<strong>se</strong>ntou com asinformações <strong>que</strong> pôde alcançar, pelas quais el-rei parecen<strong>do</strong>-lhe coisa de importância, man<strong>do</strong>u logooutra armada, e por capitão-mor Cristóvão Jac<strong>que</strong>s, fidalgo de sua casa, <strong>que</strong> neste descobrimentotrabalhou com notável proveito sobre a clareza da navegação desta costa, continuan<strong>do</strong> com <strong>se</strong>uspadrões conforme o regimento <strong>que</strong> trazia, e andan<strong>do</strong> corren<strong>do</strong> esta grande costa veio dar com a baíaa <strong>que</strong> chamou de To<strong>do</strong>s os Santos, por <strong>se</strong>r no dia da sua festa, <strong>primeiro</strong> de nov<strong>em</strong>bro, e entran<strong>do</strong> porela, especulan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o <strong>se</strong>u recôncavo, e rios, achou <strong>em</strong> um deles chama<strong>do</strong> de Paraguaçu duas nausfrancesas, <strong>que</strong> estavam ancoradas comercian<strong>do</strong> com o gentio, com as quais <strong>se</strong> pôs às bombardadas,e as meteu no fun<strong>do</strong> com toda a gente, e fazenda, e logo <strong>se</strong> foi para o reino, e deu as informações detu<strong>do</strong> a Sua Alteza, as quais b<strong>em</strong> consideradas, com outras <strong>que</strong> já tinha de Pero Lopes de Sousa, <strong>que</strong>por esta costa também an<strong>do</strong>u com outra armada, ordenou <strong>que</strong> <strong>se</strong> povoas<strong>se</strong> esta província, repartin<strong>do</strong>as terras por pessoas <strong>que</strong> <strong>se</strong> lhe ofereceram para as povoar<strong>em</strong> e conquistar<strong>em</strong> à custa de suafazenda, e dan<strong>do</strong> a cada um 50 léguas por costa com to<strong>do</strong> o <strong>se</strong>u <strong>se</strong>rtão, para <strong>que</strong> eles foss<strong>em</strong> não só<strong>se</strong>nhores, mas capitães delas; pelo <strong>que</strong> <strong>se</strong> chamam, e <strong>se</strong> distingu<strong>em</strong> por capitanias.Deu-lhes jurisdição no crime de baraço e pregão, açoites e morte, <strong>se</strong>n<strong>do</strong> o criminoso peão e<strong>se</strong>n<strong>do</strong> nobre até 10 anos de degre<strong>do</strong>; e no cível c<strong>em</strong> mil-réis de alçada, e <strong>que</strong> assistam às eleições<strong>do</strong>s juízes, e verea<strong>do</strong>res eles ou <strong>se</strong>u ouvi<strong>do</strong>r, <strong>que</strong> eles faz<strong>em</strong>, como também faz<strong>em</strong> escrivãos <strong>do</strong>público, judicial e notas, escrivão da câmara, escrivão da ouvi<strong>do</strong>ria, juiz, e escrivão <strong>do</strong>s órfãos,meirinho da vila, alcaide <strong>do</strong> campo, por<strong>que</strong> o <strong>do</strong> cárcere provê o alcaide-mor, e el-rei os ofícios dasua real fazenda, como são os <strong>do</strong>s prove<strong>do</strong>res, e <strong>se</strong>us meirinhos, almoxarifes, porteiros daalfândega, e guardas <strong>do</strong>s navios; e ainda <strong>que</strong> os <strong>do</strong>natários são sismeiros das suas terras, e asrepart<strong>em</strong> pelos mora<strong>do</strong>res como <strong>que</strong>r<strong>em</strong>, todavia moven<strong>do</strong>-<strong>se</strong> depois alguma dúvida sobre as datas,não são eles os juízes delas, <strong>se</strong>não o prove<strong>do</strong>r da fazenda, n<strong>em</strong> os <strong>que</strong> as receb<strong>em</strong> de <strong>se</strong>smaria têmobrigação de pagar mais <strong>que</strong> dízimo a Deus <strong>do</strong>s frutos <strong>que</strong> colh<strong>em</strong>, e este <strong>se</strong> paga a el-rei por <strong>se</strong>rMestre da Ord<strong>em</strong> de Cristo, e ele da aos <strong>do</strong>natários a redízima, <strong>que</strong> é o dízimo de tu<strong>do</strong> o <strong>que</strong> lherend<strong>em</strong> os dízimos: pertenc<strong>em</strong>-lhes também a vintena de to<strong>do</strong> o pesca<strong>do</strong> <strong>que</strong> <strong>se</strong> pesca nos limitesdar suas capitanias, e todas as águas com <strong>que</strong> mo<strong>em</strong> os engenhos de açúcar, pelos quais lhes pagamde cada c<strong>em</strong> arrobas duas, ou três, ou conforme <strong>se</strong> concertam os <strong>se</strong>nhores <strong>do</strong>s engenhos com eles,ou com <strong>se</strong>us procura<strong>do</strong>res, as quais pensões não têm a Bahia, Rio de Janeiro, Paraíba e as maiscapitanias de el-rei, nas quais <strong>se</strong> paga o dízimo somente, mas no <strong>que</strong> toca a jurisdição <strong>do</strong> cível, ecrime lha limitou el-rei depois muito, como ver<strong>em</strong>os no capítulo <strong>primeiro</strong> <strong>do</strong> <strong>livro</strong> terceiro.
- Page 1 and 2: HISTÓRIA DO BRASILPORFREI VICENTE
- Page 3 and 4: 3CAPÍTULO PRIMEIROComo foi descobe
- Page 5 and 6: 5terras e ilhas que estavam para de
- Page 7 and 8: 7A última causa é pela igualdade
- Page 9 and 10: 9virtude no óleo, mas também na c
- Page 11 and 12: 11Mas contra isto vemos, que se toc
- Page 13 and 14: 13Outros bugios há não tão grand
- Page 15 and 16: 15grossas. Há briguigões, amêijo
- Page 17 and 18: 17nossas, porque se querem dizer Fr
- Page 19 and 20: 19As mães dão de mamar aos filhos
- Page 21: 21das casas, declarando-lhes onde v
- Page 25 and 26: 25grandes vinhas, donde se colhem m
- Page 27 and 28: 27Nesta ermida esteve antigamente p
- Page 29 and 30: 29se passou à ilha, onde em memór
- Page 31 and 32: 31tinham presos, mortos, e cativos,
- Page 33 and 34: 33O intento que o levou devia ser p
- Page 35 and 36: 35o sul, e outras 25 da capitania d
- Page 37 and 38: 37o primeiro arribou às Antilhas,
- Page 39 and 40: 39Todos estes rios têm boníssimas
- Page 41 and 42: 41servir aos brancos, e assim edifi
- Page 43 and 44: 43Porém o demônio perturbador da
- Page 45 and 46: 45irmão; Jerônimo Corrêa Barreto
- Page 47 and 48: 47CAPÍTULO OITAVODa entrada dos fr
- Page 49 and 50: 49elas não coube em cada uma mais
- Page 51 and 52: 51que consigo levava, a cuja vista
- Page 53 and 54: 53asenhorearam da nau, e vendo que
- Page 55 and 56: 55trazem, sem lhe custar trabalho d
- Page 57 and 58: 57segura, e ele com grande ânimo e
- Page 59 and 60: 59mais conta dos interesses desta v
- Page 61 and 62: 61Silva de Menezes, Nuno Velho Pere
- Page 63 and 64: 63desordenadas, começou a entender
- Page 65 and 66: 65liberdade, comendo a carne de seu
- Page 67 and 68: 67capitão-mor da ilha, como foram,
- Page 69 and 70: 69CAPÍTULO VIGÉSIMO QUINTODe uma
- Page 71 and 72: 71Araconda fossem à caça lhes dis
- Page 73 and 74:
73De como veio governar o Brasil Ma
- Page 75 and 76:
75duas, que ali achou, passou ao Ri
- Page 77 and 78:
77por cabeça, com a gente que o ou
- Page 79 and 80:
79terra com as naus, e lhas queimar
- Page 81 and 82:
81foi tal a pressa e açodamento, q
- Page 83 and 84:
83De como o general Martim Leitão
- Page 85 and 86:
85tudo presente: do que Simão Falc
- Page 87 and 88:
87seis alqueires de farinha de guer
- Page 89 and 90:
89lá chegou deitou João Tavares f
- Page 91 and 92:
91espantoso em todos, e à noite fo
- Page 93 and 94:
93para defender a aldeia do Assento
- Page 95 and 96:
95qual causa, e por termos naquela
- Page 97 and 98:
97Alcançada a vitória, e curados
- Page 99 and 100:
99certa paragem do rio de S. Franci
- Page 101 and 102:
101ociosamente senão que como era
- Page 103 and 104:
103CAPÍTULO VIGÉSIMO QUARTODe com
- Page 105 and 106:
105Potiguares, os quais como viram
- Page 107 and 108:
107inimigos, até lhe quebrar a esp
- Page 109 and 110:
109com ombro com o capitão, assent
- Page 111 and 112:
111Aimoré, que Álvaro Rodrigues d
- Page 113 and 114:
113Neste tempo lançaram os holande
- Page 115 and 116:
115estiveram 20 dias, e no fim dele
- Page 117 and 118:
117varas com que açoutam, para mos
- Page 119 and 120:
119governado a aldeia, em seu lugar
- Page 121 and 122:
121oeste, e o sul lhe fica travessa
- Page 123 and 124:
123tenda, onde estava rezando, a ve
- Page 125 and 126:
125afirmou um padre da companhia, q
- Page 127 and 128:
127um presídio, donde mandando o c
- Page 129 and 130:
129mosquete, abaixo do nosso forte,
- Page 131 and 132:
131especificam, porque se confiam e
- Page 133 and 134:
133Recebendo Baltazar de Aragão a
- Page 135 and 136:
135O governador achou a Manuel de S
- Page 137 and 138:
137se esperarem novas guerras nesta
- Page 139 and 140:
139com que ao longe pareciam todos
- Page 141 and 142:
141que em nenhum outro, porque lhe
- Page 143 and 144:
143onde estivesse, e a quem o gover
- Page 145 and 146:
145onde vieram, e ainda os foram se
- Page 147 and 148:
147querendo nisto dizer que não er
- Page 149 and 150:
149O dia seguinte chegadas as lanch
- Page 151 and 152:
151como os trazia do Santo Ofício
- Page 153 and 154:
153estavam alguns holandeses metido
- Page 155 and 156:
155cuidado. Fez também cabo a Joã
- Page 157 and 158:
157das Neves Menor, capitão Gonça
- Page 159 and 160:
159Finalmente deram os mercadores p
- Page 161 and 162:
161dizendo «Sabei, luteranos, que
- Page 163 and 164:
163da Sé, que está no mais alto l
- Page 165 and 166:
165CAPÍTULO QUADRAGÉSIMODe outras
- Page 167 and 168:
167todos, depois de suas conferênc
- Page 169 and 170:
169que tanta que os ingleses aporta
- Page 171 and 172:
171de Machico; saiu-lhes Tristão d
- Page 173 and 174:
173D. Manuel de Menezes, general da
- Page 175 and 176:
175capitão lhes não quis conceder
- Page 177 and 178:
177haviam tomado, e também porque
- Page 179:
179salvamento em 52 dias a Caminha,