62CAPÍTULO DÉCIMO OITAVODe como el-rei d. Sebastião man<strong>do</strong>u Cristóvão de Barrospor capitão-mor a governar o Rio de JaneiroEl-rei d. Sebastião, depois <strong>que</strong> começou a governar por si o reino, como era tão solícito deconquistas / <strong>que</strong> provera a Deus não fora tanto /, saben<strong>do</strong> da <strong>que</strong> <strong>se</strong> fazia no Rio de Janeiro, man<strong>do</strong>ua ela por capitão-mor, e governa<strong>do</strong>r a Cristóvão de Barros, o qual era filho bastar<strong>do</strong> de AntônioCar<strong>do</strong>so de Barros, <strong>primeiro</strong> prove<strong>do</strong>r-mor da Fazenda del-rei no Brasil, <strong>que</strong> tornan<strong>do</strong>-<strong>se</strong> para oreino <strong>em</strong> companhia <strong>do</strong> <strong>primeiro</strong> bispo, dan<strong>do</strong> a nau à costa junto ao rio de S. Francisco, foi morto,e comi<strong>do</strong> <strong>do</strong> gentio, como já diss<strong>em</strong>os no capítulo terceiro deste <strong>livro</strong>.Era Cristóvão de Barros hom<strong>em</strong> sagaz, e prudente, e b<strong>em</strong>-afortuna<strong>do</strong> nas guerras, e assimdepois <strong>que</strong> chegou ao Rio de Janeiro, <strong>em</strong> todas as <strong>que</strong> teve com os Tamoios ficou vitorioso, epacificou de mo<strong>do</strong> o recôncavo, e rios da<strong>que</strong>la Bahia, <strong>que</strong> torna<strong>do</strong>s os ferros das lanças <strong>em</strong> foices, eas espadas <strong>em</strong> macha<strong>do</strong>s, e enxadas, tratavam os homens já somente de fazer suas lavouras, efazendas, e ele fez também um engenho de açúcar junto a um rio chama<strong>do</strong> Magé, onde <strong>se</strong> faz umapescaria de fataças, e chama-<strong>se</strong> Piraiqué, <strong>que</strong> <strong>que</strong>r dizer «entrada de peixe», tão notável, <strong>que</strong> não éb<strong>em</strong> passá-la <strong>em</strong> silêncio.É este rio de água <strong>do</strong>ce, mas entra por ele a maré uma légua pouco mais ou menos. Naságuas vivas <strong>do</strong> mês de junho, <strong>que</strong> é ali a força <strong>do</strong> inverno, entram por ele tantas fataças, oucorimans / como os índios brasis lhes chamam /, <strong>que</strong> para as poder<strong>em</strong> vencer <strong>se</strong> juntam duzentascanoas de gente, e lançan<strong>do</strong> muito barbasco machuca<strong>do</strong> à riba <strong>do</strong>nde chega a maré, quan<strong>do</strong> estapreamar <strong>se</strong> tapa a boca, ou barra <strong>do</strong> rio com uma rede <strong>do</strong>brada, vai o peixe a sair com a vazante, nãopode com a rede, n<strong>em</strong> menos esconder-<strong>se</strong> no fun<strong>do</strong>, por<strong>que</strong> a água o <strong>em</strong>basbaca, e <strong>em</strong>bebeda d<strong>em</strong>aneira <strong>que</strong>, viradas de barriga as fataças andam sobre ela meias mortas, <strong>do</strong>nde com um rede-foleas tiram como colher de caldeira, aos pares, até encher as canoas.Sa<strong>em</strong>-<strong>se</strong> logo fora, e cortadas as cabeças lhes escalam os corpos, e salgadas os põ<strong>em</strong> a <strong>se</strong>carnos pene<strong>do</strong>s, <strong>que</strong> há ali muitos; e das cabeças cozidas faz<strong>em</strong> azeite para <strong>se</strong> alumiar<strong>em</strong> to<strong>do</strong> o ano.Nas águas <strong>se</strong>guintes de julho <strong>se</strong> faz outra Piraiqué, ou pescaria, da mesma maneira <strong>que</strong> apassada, mas não são já tão gordas as fataças, por<strong>que</strong> estão todas ovadas de ovas grandes esaborosas, as quais salgam, prensam, e <strong>se</strong>cam para comer<strong>em</strong>, e levar<strong>em</strong> a vender à Bahia, e a outraspartes.Contei isto, por<strong>que</strong> esta pescaria <strong>se</strong> faz na<strong>que</strong>le rio de Magé, onde Cristovão de Barros fez o<strong>se</strong>u engenho, e no <strong>se</strong>u t<strong>em</strong>po, e ainda depois alguns anos <strong>se</strong> mandava lançar público pregão nacidade <strong>do</strong> dia <strong>em</strong> <strong>que</strong> <strong>se</strong> havia de fazer a pescaria, para <strong>que</strong> foss<strong>em</strong> a ela to<strong>do</strong>s os <strong>que</strong> qui<strong>se</strong>ss<strong>em</strong>, epoucos deixavam de ir, assim pelo proveito como por recreação.CAPÍTULO DÉCIMO NONODo quarto governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Brasil Luiz de Brito de Almeida, e desua ida ao rio realSabida no reino a nova da morte de Luiz Fernandes de Vasconcellos, <strong>que</strong> os corsáriosmataram no mar vin<strong>do</strong> governar o Brasil, man<strong>do</strong>u logo el-rei por governa<strong>do</strong>r a Luiz de Brito deAlmeida, <strong>que</strong> havia si<strong>do</strong> escrivão da Mi<strong>se</strong>ricórdia <strong>em</strong> um ano de muita festa <strong>em</strong> Lisboa, edesamparan<strong>do</strong> o prove<strong>do</strong>r, e irmãos o hospital com t<strong>em</strong>or <strong>do</strong> mal contagioso, ele assistiu s<strong>em</strong>pre,proven<strong>do</strong>-os de to<strong>do</strong> o necessário para sua cura; pelo <strong>que</strong> el-rei lhe encarregou este governo, noqual, depois de chegar, e prover nas coisas da paz, <strong>que</strong> por morte de <strong>se</strong>u antecessor achou
63desordenadas, começou a entender nas da guerra; e a primeira a <strong>que</strong> acudiu foi a lançar os gentiosinimigos <strong>do</strong> rio Real, e povoá-lo como el-rei lhe havia manda<strong>do</strong>, pelas boas informações <strong>que</strong> deletinha, e o mesmo nome de rio Real esta publican<strong>do</strong>, e prometen<strong>do</strong>.Este rio esta <strong>em</strong> 12 graus, t<strong>em</strong> de boca meia légua, <strong>em</strong> a qual há <strong>do</strong>is canais, e por qual<strong>que</strong>rdeles entram navios da costa de cinqüenta toneladas. Da barra para dentro é o rio mui fun<strong>do</strong>, e fazuma baía de mais de uma légua, onde há grandes pescarias de peixes-bois, e de toda a mais sorte depeixe.Entra a maré por ele <strong>se</strong>te ou oito léguas. Do salga<strong>do</strong> para cima é a terra muito boa paracanas-de-açúcar, e outras plantas; t<strong>em</strong> muito pau-<strong>brasil</strong>, e por todas estas coisas a mandava el-reipovoar; porém como havia ali gentio contrário, foi <strong>primeiro</strong> o governa<strong>do</strong>r para a fazer despejar commuitos mora<strong>do</strong>res da Bahia, uns por terra, outros nos barcos, <strong>em</strong> <strong>que</strong> iam os mantimentos, ealcançou vitória de um grande principal chama<strong>do</strong> Sorobi, <strong>que</strong>iman<strong>do</strong>-lhe as aldeias, matan<strong>do</strong>, ecativan<strong>do</strong> a muitos; e por<strong>que</strong> outro chama<strong>do</strong> Aperipé lhe fugiu com a sua gente o <strong>se</strong>guiu cinqüentaléguas pelo <strong>se</strong>rtão s<strong>em</strong> lhe poder dar alcance, onde achou duas léguas notáveis, uma de quinhentasbraças de compri<strong>do</strong>, e cento de largo, cuja água é mais salgada <strong>que</strong> a <strong>do</strong> mar, e toda cercada deperrexil outra pegada a esta de mais de 600 braças de largo de água muito <strong>do</strong>ce; ambas têm muitospeixes, e o governa<strong>do</strong>r man<strong>do</strong>u pescar muito, com <strong>que</strong> <strong>se</strong> tornou para a Bahia, encarregan<strong>do</strong> apovoação a Garcia da Vida, <strong>que</strong> tinha sua casa, fazenda, e muitos currais dali a 12 ou 13 léguas norio de Tatuapará, o qual a começou, mas nunca <strong>se</strong> acabou de povoar <strong>se</strong>não de currais de ga<strong>do</strong>.CAPÍTULO VIGÉSIMODas entradas, <strong>que</strong> neste t<strong>em</strong>po <strong>se</strong> fizeram pelo <strong>se</strong>rtãoNão ficaram pouco pesarosos os mora<strong>do</strong>res da Bahia, <strong>que</strong> acompanharam o governa<strong>do</strong>r aorio Real, por não achar<strong>em</strong> o gentio, <strong>que</strong> buscavam, para o cativar<strong>em</strong>, e <strong>se</strong> <strong>se</strong>rvir<strong>em</strong> dele comoa<strong>que</strong>les a qu<strong>em</strong> havia leva<strong>do</strong> mais esta cobiça <strong>que</strong> o zelo da nova povoação, <strong>que</strong> el-rei pretendia <strong>se</strong>fizes<strong>se</strong>; mas ainda <strong>se</strong> ajudaram <strong>do</strong> sucesso para <strong>se</strong>u intento, dizen<strong>do</strong> ao governa<strong>do</strong>r <strong>que</strong> pois asguerras afugentavam os gentios, como <strong>se</strong> vira nesta, e nas <strong>que</strong> <strong>se</strong>u antecessor lhes havia feitas, com<strong>que</strong> os fez afastar <strong>do</strong> mar mais de <strong>se</strong>s<strong>se</strong>nta léguas, <strong>se</strong>ria melhor trazê-los por paz, e per persuasão d<strong>em</strong>amalucos, <strong>que</strong> por eles saber<strong>em</strong> a língua, e pelo parentesco, <strong>que</strong> com eles tinham / porqu<strong>em</strong>amalucos chamamos mestiços, <strong>que</strong> são filhos de brancos, e de índias/, os trariam mais facilmente<strong>que</strong> por armas.Por estas razões, ou por comprazer aos suplicantes, deu o governa<strong>do</strong>r as licenças, <strong>que</strong> lhepediram, para mandar<strong>em</strong> ao <strong>se</strong>rtão descer índios por meio <strong>do</strong>s mamalucos, os quais não iam tãoconfia<strong>do</strong>s na eloqüência, <strong>que</strong> não levass<strong>em</strong> muitos solda<strong>do</strong>s brancos, e índios confedera<strong>do</strong>s, eamigos, com suas flechas, e armas, com as quais, quan<strong>do</strong> não <strong>que</strong>riam por paz, e por vontade, ostraziam por guerra, e por força: mas ordinariamente bastava a língua <strong>do</strong> parente mamaluco, <strong>que</strong> lhesrepre<strong>se</strong>ntava a fartura <strong>do</strong> peixe, e mariscos <strong>do</strong> mar, de <strong>que</strong> lá careciam, a liberdade de <strong>que</strong> haviamde gozar, a qual não teriam <strong>se</strong> os trouxess<strong>em</strong> por guerra.Com estes enganos, e com algumas dádivas de roupas, e ferramentas, <strong>que</strong> davam aosprincipais, e resgates, <strong>que</strong> lhes davam pelos <strong>que</strong> tinham presos <strong>em</strong> cordas para os comer<strong>em</strong>,abalavam aldeias inteiras, e <strong>em</strong> chegan<strong>do</strong> à vista <strong>do</strong> mar, apartavam os filhos <strong>do</strong>s pais, os irmãos<strong>do</strong>s irmãos, e ainda às vezes a mulher <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>, levan<strong>do</strong> uns o capitão mamaluco, outros ossolda<strong>do</strong>s, outros os arma<strong>do</strong>res, outros os <strong>que</strong> impetraram a licença, outros qu<strong>em</strong> lha concedeu, eto<strong>do</strong>s <strong>se</strong> <strong>se</strong>rviam deles <strong>em</strong> suas fazendas, e alguns os vendiam, porém com declaração <strong>que</strong> eramíndios de consciência, e <strong>que</strong> lhes não vendiam <strong>se</strong>não o <strong>se</strong>rviço, e qu<strong>em</strong> os comprava, pela primeira
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149O dia seguinte chegadas as lanch
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165CAPÍTULO QUADRAGÉSIMODe outras
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167todos, depois de suas conferênc
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169que tanta que os ingleses aporta
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