Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta Anestesia Casos Clínicos - 63necessária à penetração do globo ocular com agulhas cortantes ser extremamente baixa e, por vezes, indetectávelpelo anestesiologista, a utilização dessas agulhas diminui o desconforto do paciente à injeção, e, emcaso de perfuração, causa menos dano à retina e melhora o prognóstico de recuperação da acuidade visualem relação ao uso de agulhas rombas.4. Como realizar sedação para operações oftalmológicas?O uso da sedação em operações oftalmológicas tem como objetivo promover ansiólise e redução do desconfortoe medo durante a operação sob <strong>anestesia</strong> regional, favorecendo a estabilização dos parâmetroshemodinâmicos. O paciente deve permanecer desperto e cooperativo durante a operação, sem sonolênciaprofunda ou que permita movimentos bruscos ao acordar. O tipo de <strong>anestesia</strong> – retrobulbar, peribulbar,subtenoniana, tópica – é um dos determinantes para a escolha do tipo de sedação e analgesia. A <strong>anestesia</strong>retro/peribulbar pode causar dor à injeção devido à pressão gerada quando o anestésico local é administradono compartimento orbitário.Para sedação durante a <strong>anestesia</strong> regional, devem-se utilizar agentes de duração rápida que promovam amnésia,analgesia e impeçam a movimentação durante a injeção. Não há regime ideal, mas a combinação debaixas doses de midazolam e fentanil, seguida pela administração de propofol que, em baixas doses promovehipnose de curta duração, facilita a realização da punção orbitária. A depressão respiratória ou alteraçõeshemodinâmicas devem ser evitadas. Além disso, a sedação não deve ter efeito muito prolongado, para queo paciente possa receber alta da sala de recuperação pós-anestésica logo após o término da operação.Ao paciente sedado recomenda-se o uso de oxigênio suplementar sob cateter nasal ou máscara e monitorizaçãocontínua. Equipamentos para resgate durante complicações devem estar sempre disponíveis.5. A <strong>anestesia</strong> regional interfere no fluxo sanguíneo ocular?A <strong>anestesia</strong> peribulbar pode interferir no fluxo sanguíneo ocular por diferentes mecanismos. Em estudosobre os efeitos da <strong>anestesia</strong> peribulbar com solução anestésica de lidocaína e bupivacaína sobre a hemodinâmicaocular em pacientes submetidos a facectomias, observou-se que a <strong>anestesia</strong> promove acentuadaredução do fluxo ocular pulsátil. O efeito foi atribuído não apenas a elevações da pressão intraocular devidoao aumento do volume intraorbitário, mas também a efeitos farmacológicos dos anestésicos locais. Sabe-seque a diminuição da pressão de perfusão ocular e obstrução da drenagem venosa são responsáveis pelacorrelação negativa entre pressão intraocular e fluxo sanguíneo ocular. Porém, estudos subsequentes observaramque tal alteração sobre a hemodinâmica ocular persiste mesmo após a normalização da pressãointraocular. Vários autores sugerem que a redução do fluxo sanguíneo ocular após <strong>anestesia</strong> peribulbardeva-se principalmente aos efeitos vasomotores diretos dos anestésicos locais administrados. Lung et al, em2006, compararam dois volumes de solução anestésica em técnica peribulbar, e o grupo que utilizou menorvolume apresentou menor efeito de diminuição dos parâmetros de hemodinâmica ocular, corroborando ateoria de ação farmacológica.A <strong>anestesia</strong> retrobulbar, que utiliza menor volume de anestésico local causa elevação temporária da pressãointraocular e redução persistente do fluxo ocular pulsátil similares à técnica peribulbar.Lidocaína e bupivacaína possuem reconhecida ação vasodilatadora. Contudo, a possível explicação parasua ação de redução do fluxo ocular pode ser fornecida por estudo conduzido por Meyer, Flammer e Luscher(1993) mostrando que, em artérias ciliares de porcos, a lidocaína, bupivacaína e mepivacaína promoveminterferência sobre os mecanismos de controle vascular local, mais especificamente sobre a produção deóxido nítrico derivado do endotélio, levando à vasoconstrição.Um estudo mostrou que a magnitude da redução da amplitude de pulso ocular produzida pela ropivacaínaé significativamente mais acentuada que a produzida pela bupivacaína. À bupivacaína, com ação vasodila-
64 - Anestesia Casos Clínicos Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Gargantatadora em outros leitos capilares, foi atribuído o efeito de redução do fluxo ocular pulsátil nos trabalhos queavaliaram o efeito da <strong>anestesia</strong> peribulbar sobre o fluxo sanguíneo ocular. A ropivacaína possui atividadevasoconstritora intrínseca já comprovada em outros leitos capilares e é provável que sua ação vasoconstritoraseja responsável pelo efeito mais intenso de diminuição da amplitude de pulso ocular em <strong>anestesia</strong>peribulbar.Caso 3Paciente adulto, do sexo masculino, apresenta-se para ser submetido a operação de trabeculectomia, parao tratamento de glaucoma. Faz uso crônico de colírio de timolol, e sua pressão intraocular (PIO) atualmenteé de cerca de 50 mmHg.1. Qual o valor normal da PIO e como ela é mantida?A pressão intraocular (PIO) é definida como a pressão exercida pelo conteúdo do olho contra sua parede.Tem valores normais entre 10 e 20 mmHg e é determinada por três principais fatores: alterações do conteúdointraocular, pressões extrínsecas sobre o olho e rigidez escleral. Entre esses fatores, a variação doconteúdo intraocular líquido, dada pela dinâmica do humor aquoso e mudanças no fluxo sanguíneo coroidal,representa o determinante mais significativo.O humor aquoso é produzido principalmente pelo epitélio não pigmentado do corpo ciliar na câmara posterior,flui pela abertura pupilar para a câmara anterior e ângulo iridocorneal, e é eliminado no sistema venosoatravés da rede trabecular, canal de Schlemm e sistema venoso episcleral. Uma outra pequena proporçãomove-se através do espaço intersticial do músculo ciliar e deixa o olho através da esclera. Desse modo, aselevações da pressão intraocular podem ocorrer não apenas por produção de humor aquoso aumentada,mas também por mecanismos que diminuem sua drenagem. O aumento da pressão venosa central causadiminuição do efluxo de humor aquoso e sangue do olho, resultando em aumento da PIO. Assim, explica-seo seu aumento causado pela posição de Trendelenburg, tosse e vômitos.As alterações do fluxo sanguíneo ocular também podem afetar de modo importante a pressão intraocular.O fluxo sanguíneo ocular inclui as frações de fluxo coroidal e retiniano. A coroide é formada por uma tramavascular de anastomoses arteriais localizadas na câmara posterior do globo ocular, recebe em torno de 85%a 90% da circulação total do olho e está sob controle do sistema nervoso autonômico simpático e parassimpático.Donlon, Doyle e Feldman (2005) descreveram que o volume sanguíneo intraocular depende doequilíbrio entre influxo e efluxo de sangue e também do grau de resistência vascular local. Esses autoresrelataram que fluxo sanguíneo ocular sofre autorregulação de suas pressões de perfusão para manter relativamenteconstante a pressão intraocular. Elevações súbitas da pressão arterial sistólica causam aumentotransitório do fluxo sanguíneo, mas ajustes na sua drenagem promovem retorno da pressão intraocular aosvalores normais.O grau de complacência da parede do globo ocular varia de um olho para outro, mas há pouca variaçãoindividual. A compressão externa do olho pela musculatura extraocular pode modificar a PIO por simplescontração sobre o globo ou por efeitos indiretos sobre os volumes dos componentes intraoculares.2. Qual a fisiopatologia do glaucoma?O glaucoma caracteriza-se pelo aumento da pressão intraocular (PIO), alterações do disco óptico e defeitosdo campo visual. Como a PIO contribui para a pressão de perfusão do nervo óptico, o glaucoma pode levar aredução do fluxo sanguíneo e alterações isquêmicas da retina e nervo óptico. A doença pode ser classificada