Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta Anestesia Casos Clínicos - 65como glaucoma de ângulo aberto ou crônico e glaucoma de ângulo fechado ou agudo. Na doença primáriade ângulo aberto, ocorre alteração da filtração e drenagem do humor aquoso, que resulta em elevação daPIO. Seu tratamento consiste em uso de fármacos que produzem miose e modulação trabecular. A doençade ângulo fechado decorre da obstrução mecânica da drenagem do humor, pelo deslocamento da íris emdireção à superfície corneana posterior. Outras formas incluem o glaucoma congênito primário e a doençaassociada a síndromes.3. Como a <strong>anestesia</strong> geral pode interferir na PIO?Na <strong>anestesia</strong> geral, a PIO pode variar significativamente, uma vez que os diversos fármacos e manobrasadministrados no período perioperatório interferem sobre seus determinantes fisiológicos. Podem atuar diretamenteao induzir alterações do volume de humor aquoso ou de sangue, podem modificar o tônus damusculatura extrínseca e podem, ainda, modificar indiretamente a PIO pela variação do tônus vascular oudo controle central da tensão intraocular.A laringoscopia e a extubação, seguida de tosse, representam os momentos de maior possibilidade deaumento da PIO durante <strong>anestesia</strong> geral, devido ao aumento da pressão venosa central. O tônus vascularintraocular é significativamente alterado pela PCO2 arterial. Assim, a capnografia torna-se importante na<strong>anestesia</strong> do paciente portador de glaucoma para evitar o aumento da PIO ou sua redução excessiva, peladiminuição do fluxo coroidal.A maioria dos anestésicos utilizados promove redução da PIO devido ao seu efeito sobre o sistema nervosocentral (SNC). Acredita-se que os anestésicos inalatórios causem depressão do SNC, redução da produçãoe aumento do escoamento de humor aquoso, e ainda, relaxamento da musculatura extraocular. Os anestésicosvenosos barbitúricos, propofol, benzodiazepínicos, droperidol, etomidato e opioides diminuem a PIO. Aexceção é a cetamina, que parece apresentar efeitos variáveis sobre a PIO.Os bloqueadores neuromusculares adespolarizantes, ao promoverem a paralisia da musculatura extraocular,causam redução da PIO. A succinilcolina, todavia, leva ao aumento da PIO, por mecanismos ainda nãototalmente esclarecidos.4. Como a <strong>anestesia</strong> regional pode interferir na PIO?A <strong>anestesia</strong> do paciente com glaucoma deve procurar reduzir o risco de lesão adicional à função do nervoóptico. Em pacientes com lesão avançada do nervo óptico, a <strong>anestesia</strong> retrobulbar pode oferecer riscode piora da lesão preexistente. O aumento da PIO após a injeção retrobulbar é maior e mais duradouraem pacientes portadores de glaucoma em relação a não glaucomatosos. Além disso, o aumento da PIOpode comprometer o fluxo sanguíneo para o nervo óptico e contribuir, ainda, como fator de risco para hemorragiasupracoroidal intraoperatória. Apesar de diferentes volumes serem administrados nas técnicasretrobulbar e peribulbar, ambas causam semelhante efeito na PIO, além de comparável redução do fluxosanguíneo ocular. Técnicas anestésicas mais superficiais, tais como subconjuntival ou tópica, podem sermenos lesivas em olhos já comprometidos, como em glaucomatosos. Os anestésicos locais lidocaína ebupivacaína podem ser utilizados na <strong>anestesia</strong> regional de glaucomatosos. Produzem efeito vasodilatadorque pode ser benéfico ao nervo óptico em pacientes com lesão nervosa preexistente. A ropivacaína, quepossui efeito vasoconstritor intrínseco, causa diminuição do fluxo sanguíneo ocular. Ainda não foi descritoseu efeito específico em pacientes portadores de glaucoma e, portanto, deve ser utilizada com cautela.A adição de adrenalina à solução anestésica com o objetivo de promover vasoconstrição e prolongar aduração da <strong>anestesia</strong> deve ser evitada em pacientes portadores de glaucoma. A vasoconstrição reduzsignificativamente a pressão de pulso da artéria oftálmica, diminuindo ainda mais o fluxo sanguíneo parao nervo óptico já comprometido.
66 - Anestesia Casos Clínicos Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta5. Que medicamentos podem auxiliar no controle da PIO no períodoperioperatório?A acetazolamida reduz a PIO de modo agudo em cerca de 30%, ao inibir a anidrase carbônica (presente nascélulas não pigmentares do processo ciliar), interferir na bomba de sódio, e diminuir a produção de humoraquoso. O pico de ação ocorre duas horas após sua administração. Os principais efeitos colaterais são aperda renal de sódio, potássio e água, e acidose metabólica. É contraindicada para pacientes com distúrbioseletrolíticos, e doença hepática ou renal.Diuréticos osmóticos também interferem com a PIO. O manitol aumenta a pressão osmótica do plasmae diminui a produção de humor aquoso. Seus principais efeitos colaterais são a sobrecarga volêmicaaguda, hipertensão arterial e distúrbios eletrolíticos. A dose recomendada é de 1,5 g.kg-1 durante 30a 60 minutos. A latência para redução da PIO é de 30 a 45 minutos e a duração da ação é de cerca deseis horas.Caso 4Paciente jovem, do sexo masculino, portador de miopia de alto grau. Após trauma contuso no olho, apresentou-seao serviço de oftalmologia com quadro de hemorragia vítrea e descolamento de retina. Nega doenças,uso de medicamentos e está em jejum de oito horas.1. Como escolher a melhor técnica anestésica para operação de introflexãoescleral e vitrectomia?A escolha do tipo de <strong>anestesia</strong> deve obedecer não apenas à técnica cirúrgica a ser utilizada e às preferênciasda equipe, mas também ao tempo cirúrgico e ao conforto do paciente. A operação de introflexão esclerale vitrectomia é uma técnica que cria adesões da retina à coroide. A faixa de silicone em torno do globoocular traz a esclera para suportar a retina e realiza-se troca do conteúdo da câmara posterior por soluçãofisiológica. Sua duração geralmente é prolongada, devendo-se, portanto, considerar o conforto do paciente.O perfil emocional do cirurgião também é citado como um fator a ser considerado. Anestesia regional é umaexcelente escolha, pois provê analgesia pós-operatória, resulta em menos náuseas e vômitos e os pacientespodem receber alta mais precocemente do que em <strong>anestesia</strong> geral. Todavia, pacientes agitados, poucocooperativos, claustrofóbicos, oligofrênicos ou com dificuldades de comunicação devem ser submetidosa <strong>anestesia</strong> geral. A associação de <strong>anestesia</strong> peribulbar à <strong>anestesia</strong> geral também pode ser considerada,tendo se mostrado uma técnica que provê excelente controle da dor pós-operatória e menor incidência dereflexo óculo-cardíaco.2. Durante a realização da <strong>anestesia</strong> peribulbar, o paciente movimentou-see notou-se súbita redução da pressão intraocular (PIO). Qual a explicaçãomais provável?Pode-se estar diante de um caso de séria complicação da <strong>anestesia</strong>: a perfuração do globo ocular. Emboraa <strong>anestesia</strong> peribulbar apresente menor risco de perfuração inadvertida do globo ocular em relação à retrobulbar,a ocorrência de tal complicação não pode ser completamente eliminada. A incidência é bastante rarae vários fatores de risco já foram identificados. Entre eles, olho míope com eixo ântero-posterior maior que26 mm à medida da ultrassonografia (normal = até 24 mm) e redução da espessura escleral, a presença deestafiloma posterior ou de abaulamento escleral anormal (eventualmente pela presença de introflexão es-