Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta Anestesia Casos Clínicos - 71ração da audição e da orelha média. A miringoplastia é realizada para o reparo de perfuração timpânicaem orelhas secas. A timpanoplastia envolve o reparo da membrana timpânica e reconstrução da cadeiaossicular, em <strong>casos</strong> de lesões mais extensas. A mastoidectomia é um procedimento longo e complexo,realizada para a remoção de colesteatoma e tratamento de infecções crônicas e supurativas da orelhamédia.Considerações especiais em operações de orelha média envolvem o acesso limitado às vias aéreas, o usode óxido nitroso, a necessidade de campo operatório com mínimo sangramento, a monitorização do nervofacial e a elevada incidência de náuseas e vômitos pós-operatórios.2. Como o óxido nitroso interfere em operações de orelha média?O óxido nitroso difunde-se do sangue para cavidades do organismo preenchidas por ar. Como sua solubilidadeno sangue é 34 vezes superior à do nitrogênio, o óxido nitroso difunde-se muito mais rapidamentedo que o nitrogênio consegue ser eliminado, podendo causar pressões elevadas em cavidadesfechadas. A concentração de óxido nitroso e a duração da administração determinam a magnitude dadifusão.Na orelha média, a transferência de óxido nitroso promove aumento da pressão, somente aliviada pelareabsorção do gás após a interrupção de sua administração ou pelo seu escape para a cavidade nasalatravés da abertura da tuba auditiva. Há relatos de que o aumento da pressão na orelha média pelo óxidonitroso pode resultar em deslocamento do enxerto, piora da função auditiva e ruptura da membranatimpânica.A reabsorção rápida de óxido nitroso após a interrupção de sua administração associada à disfunção da tubaauditiva pode ainda levar à formação de pressão negativa na orelha média, promovendo o deslocamento doenxerto timpânico.Ademais, existem relatos na literatura de que o óxido nitroso contribui de modo significativo para a maiorincidência de náuseas e vômitos no pós-operatório. Os possíveis mecanismos incluem a difusão do gás paraa orelha média com influência sobre o sistema vestibular, a expansão das paredes do intestino ou, ainda, aliberação de peptídeos opioides endógenos, que estimulam a área postrema do sistema nervoso central.O uso de óxido nitroso em operações de orelha média deve, portanto, ser restringido à concentracão de50%, ser interrompido 30 minutos antes da colocação do enxerto ou até mesmo evitado.3. Como devem ser a posição do paciente, o campo operatório e amonitorização do nervo facial em operações da orelha média?As operações em orelha necessitam do uso de microscópio. Para favorecer a visualização, o fluxo venosono campo cirúrgico pode ser reduzido se o paciente for colocado em posição de cefalo-aclive e assegurando-seo adequado retorno venoso. Deve-se lembrar que a rotação exagerada da cabeça do paciente paraexposição do campo operatório dificulta o retorno venoso. O fluxo arterial pode diminuir pela infiltração comadrenalina pelo cirurgião, pela prevenção de taquicardia, e pela manutenção de pressões arteriais maisbaixas (pressão média entre 10 a 20% mais baixa que o basal).A monitorização do nervo facial pode ser empregada para sua identificação e preservação. No seu trajetopelo osso temporal, antes de emergir pelo forame estilomastoideo, o nervo facial atravessa a orelha médiae a mastoide, tornando-o vulnerável à lesão cirúrgica. Para permitir a monitorização, na administração debloqueadores neuromusculares, deve-se dar preferência aos agentes de ação curta ou intermediária, ou atémesmo evitar seu emprego, se possível. No entanto, é importante lembrar que, se a técnica anestésica prescindirdo uso de bloqueadores neuromusculares, o plano da <strong>anestesia</strong> deve ser mais profundo para garantira imobilidade do doente e, assim, também, a perfeita visualização do campo cirúrgico ao microscópio.
72 - Anestesia Casos Clínicos Capítulo IV - Olhos, Ouvidos e Garganta4. Ao final da <strong>anestesia</strong>, na sala de recuperação pós-anestésica, a pacienteapresentou náuseas intensas. Por que ocorreu e quais os principaisfatores de risco?Resposta: Procedimentos sobre a orelha média e interna apresentam maior incidência de náuseas e vômitospós-operatórios (NVPO) que outros procedimentos cirúrgicos. O problema, apesar de geralmente autolimitadoe não fatal, causa grande desconforto ao paciente, aumenta as pressões venosa e intracraniana, favorecesangramentos e distúrbios eletrolíticos, pode deslocar os enxertos cirúrgicos, retardar a alta e elevar oscustos hospitalares.São fatores de risco para maior incidência de náuseas e vômitos pós- operatórios: sexo feminino, não tabagismo,história de cinetose ou NVPO em operações prévias, uso de opioides, duração prolongada da<strong>anestesia</strong>, uso de anestésicos voláteis e óxido nitroso, e doses grandes de neostigmina. Outros possíveisfatores de risco são história de enxaqueca, história de cinetose ou NVPO em parentes próximos, ansiedadepré-operatória intensa, restrição hídrica perioperatória e <strong>anestesia</strong> geral versus regional.Os tipos de procedimentos cirúrgicos mais citados como possíveis fatores de risco incluem operações intra-abdominais,laparoscópicas, otorrinolaringológicas, ginecológicas de grande porte, ortopédicas e plásticas. Em crianças,incluem-se herniorrafias, adenotonsilectomias, correções de estrabismo, operações penianas e orquiopexias.A associação de vários fatores de risco aumenta a probabilidade de desenvolver-se a complicação. Assim,de acordo com Apfel et al., dependendo do maior número de fatores de risco presentes, a incidência deNVPO pode chegar a 80%.5. Deve-se realizar profilaxia para NVPO? Qual o melhor tratamento?Nem todo paciente deve receber terapia farmacológica profilática. Deve-se levar em consideração os fatoresde risco pessoais, o risco médico associado aos vômitos e o fato de que a terapia farmacológica podeproduzir efeitos colaterais.A presença de dois ou mais fatores de risco indica a profilaxia: evitar doses elevadas de opioides, manter opaciente hidratado e administrar antieméticos. As opcões terapêuticas incluem dexametasona, antagonistas daserotonina, gastrocinéticos, butirofenonas e anticolinérgicos. A terapia multimodal mostra-se mais eficaz.A terapia de resgate, para os pacientes que apresentam NVPO na sala de recuperação pós-anestésica(SRPA), é mais comumente realizada com os antagonistas da serotonina. Entretanto, se ondansetron já tiversido empregado na profilaxia, a evidência na literatura mostra que a segunda dose na SRPA não é tão eficaz.Outro tipo de antiemético deve ser, assim, administrado.Caso 8Criança de 5 anos, do sexo feminino, com diagnóstico de síndrome da apneia do sono e cor pulmonale, estáprogramada para ressecção de adenoides e tonsilas hipertrofiadas. A mãe informa que a criança apresentarespiração bucal, roncos e episódios de obstrução da respiração. O exame físico mostra distensão venosajugular, edema periférico e discreta hepatomegalia.1. Por que a hipertrofia de adenoides e tonsilas pode estar associada àsíndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS)?A obstrução ao fluxo de ar pela hipertrofia adenotonsilar ocorre pela obstrução da faringe em graus quevariam do simples ronco à intensa resistência de vias aéreas superiores. Durante o sono, o colapso das