Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Uma mulher do piso de baixo ergueu a vista e os olhou. Em seus olhos não havia ódio nem desprezo.<br />
Apenas uma expressão suave nos cantos dos olhos. Um desejo.<br />
Possivelmente tinha sido em outro tempo uma senhorita gentil que não tinha podido casar-se. Talvez<br />
não tivesse outra opção que trabalhar até que seu cabelo embranquecesse antes do tempo e sua pele se<br />
convertesse em couro. Mas ergueu a vista e seus lábios, como todos os outros, moviam-se cantando.<br />
– E bem? – perguntou o senhor Charingford. – O que é que você vê?<br />
– Vejo a Minnie – a Robert lhe quebrou a voz. – Vejo o que poderia ter sido dentro de dez anos,<br />
quando suas tias tivessem morrido.<br />
O senhor Charingford respirou com força.<br />
Vejo sua filha, se desaparecesse o mercado <strong>da</strong>s meias.<br />
– Lydia não – respondeu o senhor Charingford, escan<strong>da</strong>lizado. – Ela não… – mas deixou a frase pela<br />
metade.<br />
– Vejo o que poderia ter sido meu irmão se outro homem não se tivesse oferecido para criá-lo. Vejo a<br />
cozinheira de minha infância, se eu não lhe tivesse <strong>da</strong>do uma pensão. A única pessoa a quem não vejo é a<br />
mim mesmo – pousou as mãos no corrimão. – Eu nunca estive aí e nunca estarei. Quão único entendo<br />
agora é que não posso compreender o que é estar trabalhando em uma fábrica e elevar a vista e cantar.<br />
O senhor Charingford inclinou a cabeça para ele. Agora o escutava com atenção.<br />
– Tenho um montão de defeitos. Vou correndo onde deveria ir caminhando com cui<strong>da</strong>do. Falo quando<br />
deveria escutar. Mas quando os ouço cantar, não ouço só um hino. Cantam a Deus porque não<br />
encontraram a ninguém mais que os escute.<br />
– Stevens diz que, se os escutarmos uma vez, só conseguiremos inspirá-los a mostrar-se ca<strong>da</strong> vez<br />
mais irracionais – disse Charingford com cautela.<br />
– Viu se Stevens se torna mais razoável quanto mais você cede às suas exigências?<br />
Charingford afastou a vista.<br />
– Quanto lhe pediu, senhor Charingford? Você é magistrado. Disse que não lhe aju<strong>da</strong>rá se não fazer o<br />
que lhe diz? Pediu-lhe dinheiro? Ou se limitou a lhe pedir que lhe desse a mão de sua formosa filha em<br />
compensação por seus esforços?<br />
Charingford apertou com força o corrimão de metal que tinha diante. Fechou os olhos.<br />
– Isso – respondeu. – Tudo isso.<br />
– Eu tenho descoberto – disse Robert– que, com folga, pagar meus operários o suficiente para que não<br />
vejam o futuro com terror custa muito menos que empregar a homens que os aterrorizem.<br />
– Você fala como Minnie – murmurou Charingford, ranzinza.<br />
Robert sorriu e moveu a cabeça. Era o melhor elogio que já lhe tinham feito.<br />
Um moço passou correndo para levar uma bombinha a um homem que se virou para uma <strong>da</strong>s<br />
máquinas.<br />
Se não olharmos com atenção – disse Robert, – os homens e mulheres <strong>da</strong> fábrica se convertem em uma<br />
massa indistinguível de tons cinzas e marrons. Então não terá que vê-los salvo como os braços <strong>da</strong>s<br />
máquinas, embora de carne e sangue em vez de ferro e aço. Que cobram salários em lugar de ter que