04.04.2017 Views

01 - A Guerra da Duquesa

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Uma mulher do piso de baixo ergueu a vista e os olhou. Em seus olhos não havia ódio nem desprezo.<br />

Apenas uma expressão suave nos cantos dos olhos. Um desejo.<br />

Possivelmente tinha sido em outro tempo uma senhorita gentil que não tinha podido casar-se. Talvez<br />

não tivesse outra opção que trabalhar até que seu cabelo embranquecesse antes do tempo e sua pele se<br />

convertesse em couro. Mas ergueu a vista e seus lábios, como todos os outros, moviam-se cantando.<br />

– E bem? – perguntou o senhor Charingford. – O que é que você vê?<br />

– Vejo a Minnie – a Robert lhe quebrou a voz. – Vejo o que poderia ter sido dentro de dez anos,<br />

quando suas tias tivessem morrido.<br />

O senhor Charingford respirou com força.<br />

Vejo sua filha, se desaparecesse o mercado <strong>da</strong>s meias.<br />

– Lydia não – respondeu o senhor Charingford, escan<strong>da</strong>lizado. – Ela não… – mas deixou a frase pela<br />

metade.<br />

– Vejo o que poderia ter sido meu irmão se outro homem não se tivesse oferecido para criá-lo. Vejo a<br />

cozinheira de minha infância, se eu não lhe tivesse <strong>da</strong>do uma pensão. A única pessoa a quem não vejo é a<br />

mim mesmo – pousou as mãos no corrimão. – Eu nunca estive aí e nunca estarei. Quão único entendo<br />

agora é que não posso compreender o que é estar trabalhando em uma fábrica e elevar a vista e cantar.<br />

O senhor Charingford inclinou a cabeça para ele. Agora o escutava com atenção.<br />

– Tenho um montão de defeitos. Vou correndo onde deveria ir caminhando com cui<strong>da</strong>do. Falo quando<br />

deveria escutar. Mas quando os ouço cantar, não ouço só um hino. Cantam a Deus porque não<br />

encontraram a ninguém mais que os escute.<br />

– Stevens diz que, se os escutarmos uma vez, só conseguiremos inspirá-los a mostrar-se ca<strong>da</strong> vez<br />

mais irracionais – disse Charingford com cautela.<br />

– Viu se Stevens se torna mais razoável quanto mais você cede às suas exigências?<br />

Charingford afastou a vista.<br />

– Quanto lhe pediu, senhor Charingford? Você é magistrado. Disse que não lhe aju<strong>da</strong>rá se não fazer o<br />

que lhe diz? Pediu-lhe dinheiro? Ou se limitou a lhe pedir que lhe desse a mão de sua formosa filha em<br />

compensação por seus esforços?<br />

Charingford apertou com força o corrimão de metal que tinha diante. Fechou os olhos.<br />

– Isso – respondeu. – Tudo isso.<br />

– Eu tenho descoberto – disse Robert– que, com folga, pagar meus operários o suficiente para que não<br />

vejam o futuro com terror custa muito menos que empregar a homens que os aterrorizem.<br />

– Você fala como Minnie – murmurou Charingford, ranzinza.<br />

Robert sorriu e moveu a cabeça. Era o melhor elogio que já lhe tinham feito.<br />

Um moço passou correndo para levar uma bombinha a um homem que se virou para uma <strong>da</strong>s<br />

máquinas.<br />

Se não olharmos com atenção – disse Robert, – os homens e mulheres <strong>da</strong> fábrica se convertem em uma<br />

massa indistinguível de tons cinzas e marrons. Então não terá que vê-los salvo como os braços <strong>da</strong>s<br />

máquinas, embora de carne e sangue em vez de ferro e aço. Que cobram salários em lugar de ter que

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!