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CAPÍTULO 4<br />
A CHUVA SALPICAVA OS CRISTAIS <strong>da</strong> janela do escritório de Robert e dissolvia o mundo exterior<br />
em redemoinhos nebulosos. Abaixo, na rua, as duas mulheres eram já borrões que se afastavam entre<br />
saias que revoavam debaixo do guar<strong>da</strong>-chuva. O azul marinho era <strong>da</strong> senhorita Charingford; e o marrom<br />
escuro, <strong>da</strong> inimitável senhorita Pursling. De cima, na<strong>da</strong> o diferenciava de qualquer outro guar<strong>da</strong>-chuva <strong>da</strong><br />
rua. Se ele não tivesse visto seu vestido só uns minutos antes, não teria sabido quem era.<br />
Sentia-se como se tivesse despertado fraco e confuso e que lhe houvessem dito que tinha passado três<br />
semanas em cama com febre e que, durante sua enfermi<strong>da</strong>de, a rainha Vitória tinha abdicado para fugir<br />
com um domador de leões de Birmingham. O mundo parecia um lugar completamente diferente. E<br />
entretanto, ali estava a senhorita Pursling, detendo-se debaixo de um toldo na esquina, conversando com<br />
sua amiga e girando o guar<strong>da</strong>-chuva com os dedos como se na<strong>da</strong> tivesse ocorrido.<br />
Como se não acabasse de truncar to<strong>da</strong>s suas expectativas.<br />
A porta se abriu em silêncio a suas costas e uns passos se aproximaram dele. Robert não tinha que<br />
olhar para saber quem era; os serventes <strong>da</strong>quela casa o temiam ain<strong>da</strong> muito para aproximar-se sem pedir<br />
permissão. Isso deixava só uma possibili<strong>da</strong>de: o senhor Oliver Marshall.<br />
– Então – disse Oliver atrás dele. – Foi tão mal como temia?<br />
Robert tamborilou com os dedos no batente e considerou a resposta.<br />
– Vieram duas senhoritas solicitar uma contribuição para a<br />
Comissão… Oh, o diabo o leve, não me lembro. Ah, sim. A Comissão de Higiene dos Operários.<br />
Robert tinha poucos segredos com Oliver, mas a noite anterior não lhe tinha mencionado sobre a<br />
senhorita Pursling. Em primeiro lugar, porque não lhe tinha parecido importante e, em segundo, porque se<br />
ali havia um segredo, pertencia a ela, não a ele. E isso… isso o convertia em um dos poucos segredos<br />
que não tinha mais remedeio que ocultar a Oliver.<br />
– Entendo. Vieram para te olhar embeveci<strong>da</strong>s – havia um traço de humor na voz de Oliver, que foi<br />
situar-se ao lado de Robert. Olhou também pela janela e franziu o cenho ao não ver na<strong>da</strong> de interesse.<br />
– Pois a ver<strong>da</strong>de é que não.<br />
A senhorita Pursling e sua amiga passaram sob a marquise com as cabeças inclina<strong>da</strong>s uma para a<br />
outra e os ombros roçando-se. A chuva caía do teto metálico que as resguar<strong>da</strong>va e salpicava o chão em<br />
on<strong>da</strong>s de água suja. Oliver acreditava que tinham ido a essa ci<strong>da</strong>de para tentar convencer a seus<br />
habitantes de que votassem numa reforma. A senhorita Pursling tinha ameaçado revelando as outras<br />
ativi<strong>da</strong>des de Robert ali, e isso era muito mais irritante que o fato de que o olhassem embeveci<strong>da</strong>s. Por<br />
outra parte… Robert se voltou para seu amigo.<br />
– Oliver – disse. – Como pôde chegar à conclusão de que eu era um ser humano que valia a pena?<br />
Oliver tirou as lentes e as limpou com um lenço.<br />
– O que te faz pensar que cheguei a essa conclusão?