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Lembrou-se do concerto que, sofrivelmente executado pela parca habili<strong>da</strong>de do quarteto de cor<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
região, mal se ouvia no jardim. A escuridão pintava de cinza o pátio aberto. Embora tampouco haveria<br />
muitas cores com a luz do dia; somente a pedra azul cinzenta que formava o pátio e o gesso envelhecido<br />
<strong>da</strong>s paredes de vigas de madeira. Umas quantas ervas tinham brotado insistentes entre as gretas <strong>da</strong>s<br />
pedras que pavimentavam o chão, mas tinham murchado até adquirir um tom sépia. Quase não mostravam<br />
cor no azul marinho profundo <strong>da</strong> noite. Ao lado <strong>da</strong> porta do salão havia umas figuras na penumbra com<br />
copos na mão. Ali fora tudo estava apagado: as cores, o som e o torvelinho de emoções de Minnie.<br />
A apresentação musical tinha atraído um número surpreendente de pessoas. Tantas que a sala<br />
principal estava a transbor<strong>da</strong>r, com todos os assentos ocupados e algumas pessoas de pé. Era estranho<br />
que os fracos acordes de um Beethoven mal interpretado cativassem a tanta gente, mas as pessoas tinham<br />
ido em massa. Uma olha<strong>da</strong> ao salão cheio e Minnie tinha retrocedido com o estômago tenso por um semfim<br />
de nós. Não podia entrar ali.<br />
Possivelmente pudesse fingir-se doente. De fato, nem teria que fingir muito.<br />
Mas…<br />
Abriu-se uma porta detrás dela.<br />
– Senhorita Pursling. Está aqui.<br />
Minnie se sobressaltou e se voltou no ato.<br />
O Conselho de Leicester era um edifício antigo, uma <strong>da</strong>s poucas estruturas de madeira <strong>da</strong> época<br />
medieval que não tinha padecido em algum incêndio. Ao longo dos séculos tinha servido para diferentes<br />
usos. Era lugar de encontro para eventos como aquele, sala de reuniões para o prefeito e seus vereadores,<br />
ou armazém para os objetos cerimoniosos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Inclusive tinham convertido uma de suas alas em<br />
celas para presos. Um lado do pátio era de tijolo em vez de gesso e ali tinha sua sede o chefe de polícia.<br />
Essa noite, entretanto, estavam usando o Grande Salão, e por isso Minnie não esperava encontrar<br />
ninguém do escritório do prefeito.<br />
Uma figura cora<strong>da</strong> se aproximou dela com passos rápidos e seguros.<br />
– Lydia leva meia hora procurando-a. E eu também.<br />
Minnie respirou alivia<strong>da</strong>. George Stevens era um sujeito decente. Melhor que os dois caipiras dos<br />
quais tinha escapado. Era o capitão <strong>da</strong> tropa <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e o prometido de sua melhor amiga.<br />
– Capitão Stevens. Há tanta gente aí dentro! Tive que sair para tomar ar.<br />
– De ver<strong>da</strong>de? – ele se aproximou mais. Ao princípio era só uma sombra. Logo se aproximou o<br />
suficiente para que ela o visse sem óculos e distinguisse seus traços familiares; seu bigode jovial e suas<br />
gor<strong>da</strong>s costeletas.<br />
– Não gosta <strong>da</strong>s multidões, ver<strong>da</strong>de? – perguntou ele com voz solícita.<br />
– Não.<br />
– Por que não?<br />
– Simplesmente, nunca gostei.<br />
Mas não era ver<strong>da</strong>de. Minnie tinha uma vaga lembrança de homens rodeando-a, chamando-a em voz<br />
alta para falar com ela. Naquele tempo não havia possibili<strong>da</strong>de de paquerar. Ela tinha oito anos e se<br />
vestia como um menino, mas tinha havido um tempo no qual a energia vibrante <strong>da</strong>s multidões a tinha<br />
estimulado em vez de lhe produzir nós no estômago.