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212 Convergencias mediáticas y nueva narrativa latinoamericana<br />

trar entre as notícias dos acontecimentos marcantes da atualidade, informações que indicam a persistência<br />

de um passado “que não quer passar”: esclarecimento da identidade de filhos de militantes desaparecidos,<br />

julgamento de torturadores, reconhecimento oficial para reparação econômica das vítimas, instalação de Comissões<br />

da Verdade. O aparecimento dessas notícias ocorreu depois de alguns anos de silêncio e de tentativas<br />

de construção de experiências democráticas sem a prestação de contas com o passado.<br />

Isto porque a memória é obstinada, e os sujeitos que guardaram no corpo as dores do passado sabem que<br />

o que aconteceu é um tema público e seu esclarecimento é imprescindível para a constituição de sociedades<br />

democráticas. Depois de instalados os mecanismos formais da democracia, aparece, entre as exigências para<br />

seu desenvolvimento e aprofundamento, a necessidade de colocar em algum lugar a violência de Estado que<br />

persiste, ou os obstáculos para a vigência de um Estado de direito. A pergunta sobre continuidades ou rupturas<br />

entre o que ocorreu nos regimes ditatoriais e as democracias ainda frágeis precisa ser respondida e se<br />

encontra nas bordas também das narrativas jornalísticas.<br />

A memória, como um fenômeno da sociedade contemporânea, merece algumas considerações. Não existe<br />

uma memória ou uma interpretação consensual compartilhada por toda a sociedade, ao contrário, a memória<br />

é disputada, há conflitos, pois, pessoas e fatos estão em julgamento e dizem respeito a relações de poder.<br />

São cenários políticos do presente que ativam a memória e, assim, também dão novos sentidos ao passado.<br />

Questões que pareciam esquecidas ou pouco relevantes reaparecem em função de novas demandas sociais<br />

ou pontos de vista culturais, e impulsionam a busca por sinais, restos, testemunhos que tinham sido relegados.<br />

Por fim, a memória tem uma dimensão subjetiva em que testemunhos de experiências “íntimas e pessoais” são<br />

transformados em manifestações públicas.<br />

O espaço da memória é, então, um espaço de luta política: contra o esquecimento, para não voltar a acontecer,<br />

mas, também, para fazer trabalhar o pensamento. Não basta recordar é preciso saber pensar sobre o que<br />

passou. O tempo próprio da memória é o presente, o tempo apropriado para trazer o passado para relembrar<br />

e produzir a crítica é o presente.<br />

Paul Ricoeur aponta um paradoxo nessa questão. O passado já passou, é algo que não pode ser modificado. O<br />

futuro, pelo contrário, é aberto, incerto, indeterminado. O que pode mudar é o sentido deste passado, sujeito<br />

a reinterpretações ancoradas na intencionalidade e nas expectativas em relação ao futuro. Este sentido do<br />

passado é um sentido ativo, dado por agentes sociais que se colocam em cenários de confronto e luta frente a<br />

outras interpretações, outros sentidos, ou contra silêncios e esquecimentos. Por isso, recordações e memórias<br />

são construções. A irrupção do passado no presente só é acessada pela narrativa, que dá um continuum de<br />

significação e interpretação entre os dois tempos.<br />

“Se recuerda, se narra o se remite al pasado a través de un tipo de relato, de personajens, de relación entre sus<br />

acciones voluntarias e involuntarias, abiertas y secretas, definidas por objetivos o inconscientes; los personajes<br />

articulan grupos que pueden presentarse como más o menos favorables a la independência respecto de factores<br />

externos a su domínio. Estas modalidades del discurso implican una concepción de lo social, y eventualmente<br />

también de la naturaleza. Introducen una tonalidade dominante en las ‘vistas de pasado’” (Sarlo, p. 13).<br />

A circulação massiva do passado, como parte do fenômeno contemporâneo da obsessão pela memória, está<br />

conectada com o imaginário social, o que lhe dá especificidade em relação a outras narrativas sobre o passado,<br />

como a história ou a ficção. Beatriz Sarlo afirma que esta modalidade não acadêmica de escritura encara a<br />

volta ao passado em função de necessidades do presente, intelectuais, afetivas, políticas e que muito do que<br />

foi escrito sobre as décadas de 1960 e 1970 na Argentina (e também em outros países da América Latina) em<br />

especial nas reconstruções baseadas em testemunhos, pertence a este gênero. Essas narrativas asseguram um<br />

sentido e por isso podem oferecer consolo, identificação e, até, sustentar ações políticas.<br />

A narrativa jornalística, principalmente a reportagem, que investiga, descobre, avança na elucidação dos fatos<br />

passados, parte da identificação de sujeitos que testemunham, que trazem sua experiência e a expõe para

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