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Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM

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CHUVAS FINAS ESTIVAIS<br />

11<br />

Compreen<strong>de</strong>-se pois que a água pura, que a água-substância,<br />

que a água <strong>em</strong> si possa tomar, aos olhos <strong>de</strong> certas<br />

imaginações, o lugar <strong>de</strong> uma matéria primordial. Ela aparece<br />

então como uma espécie <strong>de</strong> substância das substâncias para a<br />

qual todas as <strong>de</strong>mais substâncias são atributos.<br />

(Gaston Bachelard, A água e os sonhos, p. 155)<br />

Existe um tipo <strong>de</strong> chuva que cai rapidamente nas tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> verão, que<br />

traz um cheiro <strong>de</strong> mato verdinho e uma nostalgia a nossa alma. E, mesmo que<br />

nunca tenhamos pisado num mato verdinho, reconhec<strong>em</strong>os este cheiro: mistura <strong>de</strong><br />

céu e rouxinol. E essa água, que corre pelas calçadas e se <strong>em</strong>brenha pelo asfalto,<br />

t<strong>em</strong> uma linguag<strong>em</strong> mágica e envolvente, que <strong>em</strong>briaga nosso ser. Parece-nos,<br />

nesse momento, que a água é a senhora da linguag<strong>em</strong> fluida, da linguag<strong>em</strong> s<strong>em</strong><br />

brusquidão, da linguag<strong>em</strong> contínua, continuada, da linguag<strong>em</strong> que abranda o ritmo,<br />

que proporciona uma matéria uniforme a ritmos diferentes 1 . Chove chuva, fina<br />

camada <strong>de</strong> água que se esten<strong>de</strong> ao alcance dos olhos, trazendo uma calma tenaz,<br />

como se o espírito <strong>de</strong> Deus estivesse movendo-se sob a face das águas. E a tar<strong>de</strong><br />

entrega-se à noite...<br />

Embora, aparent<strong>em</strong>ente, o discurso acima possa ser atribuído a um único<br />

autor, excetuando-se a parte <strong>em</strong> itálico, que pertence ao filósofo Gaston Bachelard,<br />

estudos da linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável exaustão têm mostrado que buscar um<br />

discurso primeiro, “adâmico” nas palavras <strong>de</strong> Bakhtin, é terna ilusão. T<strong>em</strong>os<br />

convincentes razões para crer que uma produção discursiva só existe pela pré-<br />

existência <strong>de</strong> outros discursos, pois o discurso primaz se per<strong>de</strong>u (ou se encontrou)<br />

na cadência do t<strong>em</strong>po.<br />

O discurso flui assim como a água, e como ela naturaliza a consciência<br />

humana. Po<strong>de</strong>mos relacionar a flui<strong>de</strong>z das águas com a linguag<strong>em</strong> fluida do<br />

discurso, que, surgindo <strong>de</strong> muitos outros, busca a sua realização e se nutre nesses<br />

1 BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. 2. tir. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 193.

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