Oração Contra Leócrates - Universidade de Coimbra
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J. A. Segurado e Campos<br />
14.5. Na segunda parte da oração 190 , marcada<br />
pela abundância <strong>de</strong> exemplos histórico-mitológicos, e<br />
ornada com citações poéticas 191 , Licurgo começa por<br />
fazer-se eco <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia posta <strong>de</strong> parte no pensamento<br />
grego, pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a refutação que <strong>de</strong>la faz Platão<br />
na República. Trata-se da chamada theoblábeia, a crença<br />
<strong>de</strong> que a <strong>de</strong>sgraça dos homens é provocada pelos <strong>de</strong>uses<br />
que lhes cegam o entendimento e os levam a cair na<br />
hýbris, crença que os Latinos sintetizaram na máxima:<br />
quos Iuppiter uult per<strong>de</strong>re, prius <strong>de</strong>mentat “quando<br />
Júpiter quer per<strong>de</strong>r alguém, primeiro enlouquece-o” 192 .<br />
Não <strong>de</strong>veremos crer que o orador tomava a sério esta<br />
antiplatónica 193 i<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong> cuja contestação pelo fundador<br />
da Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong>certo estava informado; ela fornecia-lhe,<br />
no entanto, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> introduzir a referência a<br />
um outro paralelismo histórico: o caso <strong>de</strong> Calístrato, que<br />
fugiu <strong>de</strong> Atenas para escapar à pena <strong>de</strong> morte a que fora<br />
190 C. Leocr., 75 e ss.<br />
191 Estas citações são preciosas, pois a Licurgo <strong>de</strong>vemos a<br />
preservação, nomeadamente, da bela rhêsis <strong>de</strong> Praxítea no Erecteu<br />
<strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s, bem como <strong>de</strong> uma das elegias guerreiras com que<br />
Tirteu, segundo a tradição, inflamou <strong>de</strong> ardor heróico a juventu<strong>de</strong><br />
espartana aquando das guerras da Messénia. Sobre a importância<br />
e o significado <strong>de</strong>stas citações poéticas cf. o ponto imediato <strong>de</strong>sta<br />
Introdução.<br />
192 C. Leocr., 90.,cf. o comentário a este passo <strong>de</strong> P. Treves, pp.<br />
118-9 da sua edição.<br />
193 Para o filósofo (v. Rep., 380 A ss.) a divinda<strong>de</strong> apenas po<strong>de</strong><br />
praticar o bem, pelo que é contraditório imaginá-la a causar o mal<br />
aos homens, por muito culpados que estes efectivamente sejam.<br />
Aliás, a história, ou lenda, que Licurgo conta mais adiante (C.<br />
Leocr., 95-96) do jovem siciliano salvador do seu pai confirma mais<br />
a i<strong>de</strong>ia da “divinda<strong>de</strong> boa” <strong>de</strong> Platão do que a crença tradicional na<br />
arbitrarieda<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>uses.<br />
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