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que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...

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mundo <strong>que</strong> logo fin<strong>da</strong>rá tem dois gumes, um de riso, outro de angústia, <strong>que</strong> cortam o coração<br />

em pe<strong>da</strong>ços... [...]Que força estará por trás <strong>da</strong> louça simples em <strong>que</strong> jantamos...” (WOOLF,<br />

2004, p.21­22). Woolf consegue definir as etapas desse jantar, como uma “trin<strong>da</strong>de<br />

doméstica”. Essa mesma trin<strong>da</strong>de poderia ser atribuí<strong>da</strong> à esses estereótipos dos anjos: do lar,<br />

do monstro, <strong>da</strong> tristeza e <strong>da</strong> alegria doméstica.<br />

Mais tarde, já deita<strong>da</strong> em um hotel, Laura Brown <strong>no</strong> seu conflito de vi<strong>da</strong> x morte,<br />

resume de uma forma por demais irônica e reducionista o seu cotidia<strong>no</strong> e a sua vi<strong>da</strong>: “Ficou<br />

deita<strong>da</strong> na cama com o livro nas mãos, sentindo­se vazia, exausta, por causa <strong>da</strong> criança, do<br />

bolo, do beijo. De algum modo, tudo acabou se resumindo nesses três elementos”<br />

(CUNNINGHAM, 1998, p. 114). Mrs. Brown com essa forma de alquimia, mistura o resumo<br />

<strong>da</strong>s coisas concretas e abstratas <strong>que</strong> perfazem o seu dia: criança, bolo e beijo, eis a receita do<br />

seu “tudo isso”! Um tudo <strong>que</strong> parece pouco, <strong>que</strong> a faz sentir­se fracassa<strong>da</strong>, <strong>que</strong> lhe lembra um<br />

papel nunca podido ser desempenhado com maestria em oposição a um quarto impessoal de<br />

hotel, essa zona neutra <strong>que</strong> não exige um papel e onde o “ir e vir vigoroso” a inun<strong>da</strong> de um<br />

sentimento de “não estar” e de “ci<strong>da</strong>dã do lugar” onde tem as chaves e passou pelos portais.<br />

Portais para se deixar acompanhar por uma “irmã invisível”, como ela mesma define não uma<br />

Judith, falsa­irmã de Shakespeare 48 , mas uma “irmã perversa, cheia de raiva e recriminação,<br />

uma mulher humilha<strong>da</strong> por si mesma” <strong>que</strong> não é Laura, mas <strong>que</strong> poderia ser “a enfermeira,<br />

cui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong> dor <strong>da</strong> outra” (CUNNINGHAM, 1998, p.118­120).<br />

Embora Mrs. Brown sonhe acor<strong>da</strong><strong>da</strong> com a busca <strong>da</strong> morte, não consegue saltar rumo<br />

ao abismo. O seu abismo será o abando<strong>no</strong> do lar, a fuga para o Canadá, onde vai trabalhar<br />

numa biblioteca cerca<strong>da</strong> de livros por todos os lados, quiçá também Mrs. Dalloway, para uma<br />

leitura rápi<strong>da</strong> a fim de livrá­la <strong>da</strong> culpa estarrecedora <strong>que</strong> se implantava <strong>no</strong> seu olhar. Mas<br />

Mrs. Brown morrerá não mais como título do ensaio de Virginia Woolf, como por exemplo,<br />

quando Virginia estava a procura de um desti<strong>no</strong> para sua criatura, mas como personagem do<br />

livro de Richard, onde terá um fim trágico num lugar escolhido pelo filho abandonado, e <strong>que</strong><br />

na i<strong>da</strong>de adulta se vinga matando a mãe, pelo me<strong>no</strong>s na ficção.<br />

Talvez Mrs. Brown não consiga saltar, pelo fato <strong>da</strong> sua angústia intimamente liga<strong>da</strong> à<br />

uma sensação de vertigem, <strong>que</strong> de acordo com o filósofo Kierkegaard, faz essa aproximação<br />

entre abismo e vertigem:<br />

Quando o olhar imerge num abismo, existe uma vertigem, <strong>que</strong> <strong>no</strong>s chega tanto do<br />

olhar como do abismo, visto <strong>que</strong> <strong>no</strong>s seria impossível deixar de o encarar. Esta é a<br />

48 A referência é à irmã fictícia de Shakespeare, cria<strong>da</strong> por Virginia Woolf <strong>no</strong> seu livro Um teto todo seu.

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