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que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...

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Clarissa tinha consciência <strong>da</strong> efemeri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s festas e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>: “[...] em meio às coisas<br />

ordinárias, tomba o dedo, solenizando o momento” (WOOLF, 1980, p.123). Não obstante<br />

tinha também ple<strong>no</strong> conhecimento <strong>da</strong>s suas experiências, experiências banais e cotidianas <strong>que</strong><br />

perfazem a vi<strong>da</strong>, e <strong>da</strong> beleza dessa experiência:<br />

De beleza...Não a crua beleza dos olhos. Não a beleza pura e simples...Era a retidão<br />

do vácuo...; a simetria de um corredor; mas eram também janelas ilumina<strong>da</strong>s; um<br />

pia<strong>no</strong>, um gramofone tocando; um senso de prazer <strong>que</strong> permanece oculto, mas <strong>que</strong><br />

emerge aqui ou ali, quando, pela janela aberta, se avista gente senta<strong>da</strong> em tor<strong>no</strong> à<br />

mesa, jovens <strong>que</strong> <strong>da</strong>nçam lentamente, conversações entre homens e mulheres,<br />

cria<strong>da</strong>s olhando preguiçosamente para fora...., meias secando, um papagaio, algumas<br />

plantas. Absorvente, misteriosa, de uma infinita ri<strong>que</strong>za, a<strong>que</strong>la vi<strong>da</strong> (WOOLF,<br />

1980, p.157).<br />

No caso de Clarissa Vaughn, enquanto prepara tudo <strong>da</strong> festa, praticamente sozinha,<br />

convive com a manifestação desse senso de oportuni<strong>da</strong>de perdi<strong>da</strong>, pois o presente está a lhe<br />

escapar por entre os dedos, assim como os ovos <strong>que</strong> separa <strong>da</strong>s claras; também as cascas <strong>que</strong><br />

são postas <strong>no</strong> lixo e em um momento aparentemente banal e corri<strong>que</strong>iro, esta cena só<br />

complementa a idéia central do filme: uma história de pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s fatos <strong>que</strong> se eternizam <strong>no</strong><br />

miúdo, como colocou Sheila Grecco [...] – flores, entre a re<strong>no</strong>vação e a decrepitude, olhares,<br />

beijos furtivos, festas e frivoli<strong>da</strong>des, decepções e descobertas. Há uma virtual imobilização<br />

com a concentração <strong>no</strong> detalhe prosaico, <strong>no</strong> <strong>mergulho</strong> <strong>vertigi<strong>no</strong>so</strong> do inconsciente” (1999).<br />

No romance, quando Clarissa volta com as flores para casa e sente <strong>que</strong> a<strong>que</strong>la não era<br />

a sua cozinha; sente o distanciamento dos seus “pratos brancos”, seus “imaculados armários”,<br />

suas “portas envidraça<strong>da</strong>s”, seus “potes antigos de terracota, com esmalte cra<strong>que</strong>lê”, assim<br />

também como reconhece o seu próprio fantasma. Pensa nas escolhas, de como seria fácil<br />

escapulir dessa vi<strong>da</strong>, dos confortos vazios e fortuitos, e de como poderia voltar para a<strong>que</strong>le<br />

“outro lar”; um lar onde Sally e Richard não existiriam, mas somente a sua essência – “uma<br />

moça <strong>que</strong> se fez mulher”, cheia de esperanças, e aí percebe <strong>que</strong> to<strong>da</strong> sua dor e solidão, “todo o<br />

an<strong>da</strong>ime precário <strong>no</strong> qual elas se sustentam é fruto do fato de fingir <strong>que</strong> vive neste<br />

apartamento. Clarissa sente <strong>que</strong> se for embora será feliz, ou ain<strong>da</strong> melhor: “Será ela mesma”<br />

(CUNNINGHAM, 1998, p. 78).<br />

Essa ambigüi<strong>da</strong>de do sentir­se fora e dentro, integrante e marginal, faz parte <strong>da</strong><br />

representação de Clarissa, inseri<strong>da</strong> num dilema comum à to<strong>da</strong>s as mulheres <strong>que</strong> se encontram<br />

sem possibili<strong>da</strong>de de escape na cultura patriarcal. Mrs. Dalloway, <strong>no</strong> entanto, parece aceitar<br />

ou pelo me<strong>no</strong>s ter a consciência desse lugar marginalizado à <strong>que</strong> lhe é destinado, sem deixar,<br />

entretanto de vislumbrar possibili<strong>da</strong>des <strong>que</strong> se apresentam a partir desta posição à margem.

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