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que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...

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Mrs. Woolf está de pé e Leonard sentado, o <strong>que</strong> faz <strong>da</strong> sua voz ain<strong>da</strong> mais substancial.<br />

Leonard lhe recor<strong>da</strong> <strong>que</strong> Londres também a deprimia, como se a sua dor de cabeça saísse do<br />

crânio e se mu<strong>da</strong>sse para o mundo (CUNNINGHAM, 1998, p. 62), e pede para <strong>que</strong> pense<br />

com clareza. Mrs. Woolf está contra a luz, o céu <strong>da</strong> cena está cinza brilhante e incandescente,<br />

enquanto ela lhe responde com uma certa ironia: Com clareza? E diz <strong>que</strong> luta sozinha na mais<br />

profun<strong>da</strong> escuridão e <strong>que</strong> ela sabe e pode entender sobre a sua condição. Sua fala contrasta<br />

com a lumi<strong>no</strong>si<strong>da</strong>de do céu. E fala para Leonard <strong>que</strong> não é só ele <strong>que</strong> vive com o fantasma do<br />

seu desaparecimento. Ela também vive com esse fantasma, mas <strong>que</strong> não <strong>que</strong>r a calma<br />

sufocante dos subúrbios. Calma essa <strong>que</strong> <strong>no</strong> romance ela tenta se convencer: “É suficiente<br />

estar nesta casa, a salvo <strong>da</strong> guerra, com uma <strong>no</strong>ite de leituras pela frente, depois dormir, e<br />

trabalhar de <strong>no</strong>vo pela manhã. É suficiente <strong>que</strong> os postes lancem sombras amarela<strong>da</strong>s nas<br />

árvores” (CUNNINGHAM, 1998, p. 132). Mas logo rebate: “Prefiro o solavanco <strong>da</strong> capital”.<br />

Nesse momento ouvimos o som do pia<strong>no</strong>, a trilha so<strong>no</strong>ra se re­instaura paulatinamente, como<br />

se a decisão de sua escolha, de uma certa forma, apontasse para uma vi<strong>da</strong> melhor, embora<br />

saberemos <strong>que</strong> isso não acontecerá.<br />

Mrs. Woolf fala <strong>que</strong> a escolha é sua, <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r paciente tem esse direito, e <strong>que</strong> isso<br />

é o <strong>que</strong> define a condição humana. Confessa­lhe <strong>que</strong> gostaria de viver nesse sossego, mas é<br />

veemente quando diz <strong>que</strong> se tiver <strong>que</strong> escolher entre Richmond e a morte, escolherá a morte.<br />

Mrs. Woolf chora, Leonard também e concor<strong>da</strong> : Que seja Londres! Leonard olha para o trem<br />

<strong>que</strong> chega, a fumaça, o apito e <strong>no</strong>vos trilhos a seguir. Ele se aflige, chora, Virginia se<br />

compadece <strong>da</strong><strong>que</strong>le homem, <strong>que</strong> assim como ela, também se vê impotente.<br />

De repente ele pergunta se ela está com fome? Tentando voltar à <strong>no</strong>rmali<strong>da</strong>de. Mas é<br />

igualmente irônico, pois ele bem sabe <strong>que</strong> o não comer também faz parte do quadro do seu<br />

histórico, como aparece nessa fala do romance: “Não comer é um vício, quase uma droga –<br />

com o estômago vazio, sente­se veloz e limpa, desanuvia<strong>da</strong>, pronta para uma briga.”<br />

(CUNNINGHAM, 1998, p.34). Virginia sorri em estado de mútua compreensão. Leonard lhe<br />

acaricia as costas como se compreendesse a sua decisão. Os dois se olham em profundo<br />

entendimento, mas também em estado de impotência mútua. A voz do funcionário grita,<br />

avisando <strong>que</strong> o trem para Londres já está estacionado na Plataforma 1. Mas o seu grito já não<br />

importa. Ain<strong>da</strong> não é nesse trem <strong>que</strong> Mrs. Woolf tomará os seus trilhos.<br />

Mr. e Mrs. Woolf caminham por entre os passageiros, pela fumaça do trem, por entre<br />

o murmúrio <strong>da</strong>s pessoas, e ouvimos a voz de Mrs. Woolf, enquanto eles caminham já de<br />

costas: “Não se pode ter paz evitando a vi<strong>da</strong> Leonard.”. Mrs. Woolf <strong>que</strong>ria ultrapassar a linha<br />

do mundo, assim como a personagem de Água Viva:

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