que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...
que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...
que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
É também <strong>no</strong> mínimo irônico <strong>que</strong> a cena aconteça na cozinha, junto a um fogão, um<br />
<strong>espaço</strong> tão pouco afeito a assuntos filosóficos; durante a<strong>no</strong>s desqualificado como <strong>espaço</strong> de<br />
um saber, de um fazer e de uma alquimia criativa. Interessante também, pelo fato desse<br />
instante irrecuperável <strong>no</strong> <strong>espaço</strong> onde o fazer/refazer acontece; o trabalho doméstico se re<br />
inventa e nesse reinventarse e <strong>no</strong> repetirse está também um caminho filosófico (Cc. O mito<br />
de Sísifo).<br />
A Seqüência <strong>da</strong> Cozinha é também de muita importância para o filme como um todo<br />
pelo fato, de lá, na<strong>que</strong>le <strong>espaço</strong>, Clarissa está a preparar uma festa. Uma festa não mais <strong>no</strong>s<br />
moldes <strong>da</strong> Mrs. Dalloway primeira, onde a aristocracia britânica tinha seus criados para<br />
lustrar as pratas. Estamos quase <strong>no</strong> século XXI, e Clarissa comprará as flores ela mesma!,<br />
assim como ela mesma <strong>que</strong>brará os ovos para fazer tantos pratos refinados e preparar uma<br />
sala à altura de Richard. Louis dá <strong>no</strong>ta <strong>da</strong> beleza <strong>da</strong> sala com suas flores.<br />
Interessante <strong>no</strong>tar <strong>que</strong> a seqüência <strong>da</strong> festa foi altera<strong>da</strong> <strong>no</strong> filme. No romance, a festa<br />
acontece, mesmo depois do suicídio do homenageado, Richard. A festa permanece como um<br />
ato de resistência aos sobreviventes:<br />
Aqui está, portanto, a mesa, ain<strong>da</strong> posta; as flores, ain<strong>da</strong> frescas; tudo preparado para<br />
os convi<strong>da</strong>dos, <strong>que</strong> acabaram sendo apenas quatro. Perdoe<strong>no</strong>s, Richard. Por<strong>que</strong>,<br />
afinal, é uma festa. Uma festa para os <strong>que</strong> ain<strong>da</strong> não estão mortos; para os<br />
relativamente inteiros; para a<strong>que</strong>les <strong>que</strong>, por motivos misteriosos, têm a sorte de<br />
estarem vivos (CUNNINGHAM, 1998, p.175176).<br />
O roteirista faz a escolha de excluir cena tão importante do final do romance, talvez<br />
por achar <strong>que</strong> tais sentimentos de sobrevivência já tinham sido expressos através do encontro<br />
de Mrs. Dalloway e Mrs. Brown, tornando a festa, portanto uma repetição desnecessária.<br />
Virginia Woolf em suas memórias também faz todo um relato sobre a sua iniciação/<br />
ritos de passagem pelas festas Londrinas. Para Virginia a socie<strong>da</strong>de vitoriana de classe média<br />
alta começava a existir quando se acendiam as luzes, e o seu irmão George aceitava essa<br />
socie<strong>da</strong>de tal qual um fóssil, já <strong>que</strong> havia incorporado to<strong>da</strong>s as rugas <strong>da</strong>s convenções,<br />
“escorrendo para dentro do molde, sem nenhuma dúvi<strong>da</strong>, para desfigurar o modelo”,<br />
completando assim o pensamento do pai de Virginia <strong>que</strong> tinha a idéia de <strong>que</strong> as mulheres<br />
tinham de ser puras e os homens viris (WOOLF, 1986, p. 173175). Esse homem viril <strong>que</strong> era<br />
George, 16 a<strong>no</strong>s mais velho <strong>que</strong> Virginia, tornava as coisas difíceis para Virginia não se<br />
submeter. Ele tinha a i<strong>da</strong>de mais velha, força, dinheiro, poder, e tradição, e fazia com <strong>que</strong><br />
Virginia se sentisse estranha <strong>no</strong> grupo: “Sentiame como um ciga<strong>no</strong> ou uma criança se sente<br />
olhando pela abertura <strong>da</strong> lona, vendo o <strong>que</strong> se passa dentro do circo” (WOOLF,1986, p.176).