18.04.2013 Views

que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...

que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...

que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Cozinha adentro entrei chorando<br />

pia,panela, geladeira <strong>no</strong> canto<br />

coentro, louro, <strong>no</strong>z mosca<strong>da</strong><br />

desanima<strong>da</strong> fui fazer um molho branco<br />

azeite, páprica, fermento<br />

misturei lamento, sal e desespero<br />

tempero, lágrima, pimenta<br />

refoguei meu abando<strong>no</strong> em fogo brando<br />

(MEDEIROS, 1999, p. 130)<br />

Michelle Perrot, <strong>no</strong> seu livro As mulheres ou os silêncios <strong>da</strong> história reafirma <strong>que</strong> <strong>no</strong><br />

século 19 as mulheres não tinham um lugar; fosse <strong>no</strong>s <strong>espaço</strong>s de poder, de socialização, <strong>no</strong>s<br />

processos políticos. As mulheres tinham os seus próprios lugares: os mercados, os lavadouros,<br />

as lojas, as igrejas. Além de lugares de interferência como os bailes. Mas ain<strong>da</strong> é a casa, o<br />

lugar <strong>da</strong>s mulheres, como também o <strong>da</strong> família, cujas fronteiras são por demais complexas<br />

quanto aos regulamentos <strong>da</strong> circulação e distribuição de sua peças. Segundo Perrot, é nesse<br />

<strong>espaço</strong> também <strong>que</strong>, o murmúrio <strong>da</strong>s mulheres acompanha em surdina, a vi<strong>da</strong> cotidiana,<br />

controlando, transmitindo e tagarelando, numa orali<strong>da</strong>de <strong>que</strong> é vista inútil, provocadora do<br />

desejo do silêncio como forma dissimula<strong>da</strong> de negação (PERROT, 2005, p. 462­63).<br />

É na cozinha <strong>que</strong> as três personagens/mulheres de As Horas se deparam com as<br />

pe<strong>que</strong>nas tragédias. Mrs. Woolf diante de sua inapetência e desorientação quanto às ordens<br />

domésticas; Mrs. Brown diante <strong>da</strong> incompetência do fazer o seu bolo e Mrs. Dalloway com a<br />

visita do amigo Louis.<br />

A cozinha foi durante muito tempo um lugar/ símbolo <strong>da</strong> perfeição <strong>feminina</strong>; e se uma<br />

mulher não se reconhecesse com o manuseio dos utensílios e o fazer dos alimentos, a cozinha<br />

se tornava um lugar de tortura. No artigo “Um olhar sobre a banali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>”, Carla<br />

Rodrigues fala <strong>da</strong> cozinha como um lugar onde mora a origem <strong>da</strong> angústia e mais um<br />

território desta batalha e um palco onde se representa a dor (2003). 74<br />

Esse <strong>espaço</strong> de tormento e dor vem dos primórdios como fala Michelle Perrot ao falar<br />

de uma Paris do século 19, e <strong>da</strong>s casas­pátio, rei<strong>no</strong>s <strong>da</strong>s mulheres em dias de festa, onde paira<br />

o odor <strong>da</strong>s cozinhas regionais. “Mulheres estalajadeiras” <strong>que</strong> albergam os “passantes”. E<br />

nesse “silêncio <strong>da</strong> história” de Perrot, “Enquanto se cria uma “grande culinária” burguesa,<br />

masculina, açucara<strong>da</strong> e gordurosa, preocupa<strong>da</strong> em afirmar por sua ri<strong>que</strong>za a ruptura com o<br />

rústico, as mulheres cozinham as receitas provinciais. Os ´chefs´ zombam do<br />

74 Site

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!