que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...
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Apesar do narrador em terceira pessoa se fazer presente na estória, As Horas é<br />
principalmente narrado através dos pensamentos e vozes interiores <strong>da</strong>s personagens, numa<br />
tentativa de aproximação do estilo de Woolf, <strong>que</strong> além de utilizar as técnicas do fluxo de<br />
consciência e monólogo interior, priorizando o tempo psicológico, onde as lembranças do<br />
passado e a antecipação do futuro são assim fundi<strong>da</strong>s. Apesar dessa fusão de tempos, a<br />
sensação do tempo presente está sendo sempre sugeri<strong>da</strong> através <strong>da</strong>s fissuras narrativas,<br />
principalmente <strong>no</strong>s capítulos de Mrs. Dalloway.<br />
Richard, <strong>que</strong> também narra sua estória, parece construir quatro narrativas diferentes:<br />
sua vi<strong>da</strong> (a sua existência), a vi<strong>da</strong> deseja<strong>da</strong>, a vi<strong>da</strong> narra<strong>da</strong> <strong>no</strong> seu romance, a de Clarissa, e a<br />
<strong>que</strong> ele imagina estar sendo vivi<strong>da</strong> por essa personagem (Mrs. Dalloway). To<strong>da</strong>s essas vi<strong>da</strong>s<br />
imbrica<strong>da</strong>s <strong>no</strong> tempo presente, simultâneas, experimenta<strong>da</strong>s pelos personagens pelos seus<br />
“momentos de ser” (para usar uma expressão de Woolf, <strong>no</strong> <strong>que</strong> diz respeito aos momentos<br />
evanescentes). É como se essas quatro vi<strong>da</strong>s, “integrassem um continuum temporal e uma<br />
única narrativa, a narrativa quádrupla de Richard. Ca<strong>da</strong> personagem vivencia uma experiência<br />
<strong>que</strong> é, de algum modo, reitera<strong>da</strong> pelas vi<strong>da</strong>s <strong>que</strong> as precedem ou sucedem, e ecoa nas<br />
personagens fictícias dos romances aos quais o filme – e anteriormente o próprio romance de<br />
Cunningham se refere.” (DINIZ, 2005, p.27)<br />
Para discutir a ficção dos romances reescritos ou relidos, Hutcheon sugere <strong>que</strong><br />
ver<strong>da</strong>de e falsi<strong>da</strong>de podem não ser mesmo os termos corretos para definilos já <strong>que</strong> só<br />
“existem ver<strong>da</strong>des <strong>no</strong> plural, e jamais uma só Ver<strong>da</strong>de; e raramente existe a falsi<strong>da</strong>de per ser,<br />
apenas as ver<strong>da</strong>des alheias” (1991, p. 146). E conclui: “A ficção pósmoderna sugere <strong>que</strong><br />
reescrever ou reapresentar o passado na ficção e na história é – em ambos os casos – revelálo<br />
ao presente, impedilo de ser conclusivo e teleológico” (1991, p. 243).<br />
Cunningham vai estender a sua temática através de três momentos/<strong>espaço</strong>s distintos,<br />
repercutindo e entrelaçando na vi<strong>da</strong> de três mulheres em épocas e contextos bem diferentes ao<br />
longo de 24 horas. As três personagens <strong>feminina</strong>s de As Horas se sentem desloca<strong>da</strong>s na vi<strong>da</strong>;<br />
têm o passado como um fantasma presente <strong>no</strong>s seus cotidia<strong>no</strong>s; estão sempre diante de<br />
escolhas complexas diante dos papéis estabelecidos, ou simplesmente de escolhas cotidianas<br />
de comprar flores ou não.<br />
Michael Cunningham ao escrever As Horas está “lendo” <strong>no</strong> sentido de espiando e<br />
reconhecendo “traços” e fazendo uma “escritura réplica” de Woolf <strong>no</strong> seu texto Mrs.<br />
Dalloway. Ao se apropriar de um texto canônico, Cunnigham não esconde os traços desse<br />
diálogo, muito pelo contrário, expõe e desnu<strong>da</strong> to<strong>da</strong> e qual<strong>que</strong>r relação com a autora em<br />
<strong>que</strong>stão, seu livro fonte, os temas, as técnicas, os personagens e os próprios dilemas <strong>da</strong>