que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...
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quanto à sua falta de competência doméstica por fim exclama: “Que importância tem se não é<br />
nem glamorosa nem um modelo de competência doméstica?” (CUNNINGHAM, 1998, p.90)<br />
O contraponto de Laura é a personagem Kitty (Toni Colette), sua vizinha e<br />
concunha<strong>da</strong>, e <strong>que</strong> chega de repente para uma visita justo na hora em <strong>que</strong> Laura não consegue<br />
essa competência doméstica. Uma visita por demais irônica, onde as duas são postas na<br />
berlin<strong>da</strong> diante de tragédias. Enquanto Laura Brown enfrenta a sua tragédia aparentemente<br />
simples e ingênua de não conseguir fazer um bolo profissional, como ela mesma define, Kitty,<br />
<strong>que</strong> tem esse saber, ‘ [...] Kitty traz consigo uma aura de limpeza e filosofia doméstica; todo<br />
um vocabulário de movimentos ávidos, vigorosos” (CUNNINGHAM, 1998, p. 86 ) e acha<br />
tudo tão simples numa cozinha. Mas, apesar de deter esse saber, Kitty está com um câncer e<br />
sozinha terá <strong>que</strong> ir para o hospital.<br />
Kitty é representa<strong>da</strong> como a<strong>que</strong>la mulher lumi<strong>no</strong>sa, quando to<strong>da</strong>s nós mortais <strong>no</strong>s<br />
sentimos sombrias; é atraente, se sobressaiu na escola, tinha poder, confiança, autoestima,<br />
forte, obstina<strong>da</strong>, e capaz de “leal<strong>da</strong>des profun<strong>da</strong>s e cruel<strong>da</strong>des terríveis”. Cruel<strong>da</strong>de de serem<br />
“rainhas e estrelas”, uma vez do <strong>espaço</strong> público (frente aos rapazes, à escola) ou <strong>no</strong> <strong>espaço</strong><br />
privado, como é o caso dessa visita. Kitty é preciosa, assim como o marido de Laura é<br />
adorável. Tem essa “singulari<strong>da</strong>de de uma estrela de cinema e uma beleza idiossincrática”;<br />
tais mulheres possuem sim esse mistério e esse enigma <strong>da</strong> adequação, ou melhor, <strong>da</strong><br />
superiorização, o <strong>que</strong> <strong>no</strong>s coloca, pobres mulheres mortais, ain<strong>da</strong> mais abaixo dos <strong>no</strong>ssos<br />
lugares de inaptas e desloca<strong>da</strong>s.<br />
Ao final <strong>da</strong> visita, Laura dálhe um abraço (cena <strong>que</strong> <strong>no</strong> filme foi substituí<strong>da</strong> pelo um<br />
beijo na boca) o <strong>que</strong> levou alguns a fazerem uma leitura de Laura com preferências<br />
homossexuais. No meu entender, vi esse beijo como uma demonstração profun<strong>da</strong> de amizade<br />
entre mulheres. Sim! É possível mulheres amigas. Laura se vê “inun<strong>da</strong><strong>da</strong> de sentimento.”, um<br />
sentimento de sorori<strong>da</strong>de (sisterhood), pois compartilham de um sentimento solitário nas suas<br />
sensações: “São ambas mulheres atormenta<strong>da</strong>s e abençoa<strong>da</strong>s, cheias de segredos partilhados,<br />
empenhandose sempre. Uma e outra fazendose passar por alguém. Estão extenua<strong>da</strong>s e<br />
cerca<strong>da</strong>s; assumiram uma tarefa tão imensa.” (CUNNINGHAM, 1998, p. 92).<br />
A grande ironia <strong>da</strong>s mulheres de As Horas se dá exatamente pelos sentimentos de<br />
inadequação e infelici<strong>da</strong>de <strong>no</strong> <strong>espaço</strong> privado e doméstico. A personagem do romance Mrs.<br />
Dalloway, de Woolf, também vivencia esse sentimento de inadequação e estranhamento<br />
frente a um lugar de referencia, como ela mesma constata: “Tinha a esquisita sensação de<br />
estar invisível; despercebi<strong>da</strong>; desconheci<strong>da</strong>; de não ser mais casa<strong>da</strong>, não ter filhos agora...ser<br />
esta Mrs. Dalloway; nem mais Clarissa: Mrs Dalloway somente” (WOOLF, 1980, p.14). Mrs.