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que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...

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O quarto 19 foi anteriormente também refúgio de outras personagens cria<strong>da</strong>s pela<br />

escritora Doris Lessing, como é o caso de “To room nineteen” (LESSING IN; GILBERT &<br />

BUGAR, 1985) e The Summer before the <strong>da</strong>rk (LESSING, 1986). 68<br />

O diálogo com essas estórias vai se <strong>da</strong>r também com as metáforas, como é o caso <strong>da</strong><br />

metáfora do quarto enquanto <strong>espaço</strong> de intimi<strong>da</strong>de e liber<strong>da</strong>de, onde impera o sentimento de<br />

não estar em nenhum lugar. 69 No caso específico de “ To room nineteen”, o personagem<br />

principal Susan, tenta escapar, assim como Laura Brown, <strong>da</strong>s armadilhas de um casamento<br />

onde ela perdeu sua identi<strong>da</strong>de, e procura nessa quarto 19, uma identi<strong>da</strong>de perdi<strong>da</strong>. No<br />

casamento, Susan achava <strong>que</strong> a sua essência de pessoa, estava em suspenso, como se ela<br />

estivesse num “armazenamento frio”, e pela escolha dessas palavras não fica difícil de<br />

imaginar uma morte, mas até <strong>que</strong> uma morte simbólica, mas uma morte quase concreta, <strong>que</strong><br />

<strong>no</strong> final <strong>da</strong> estória irá acontecer. Parte desse “armazenamento”, para usar um eufemismo , se<br />

<strong>da</strong>va na própria casa. A casa, para Susan, representava a sua prisão e confinamento, enquanto<br />

o Jardim, sua metáfora para seus demônios não ditos e seu despertar para um isolamento<br />

insuportável dentro de si mesma. Para aliviar essa prisão existencial, Susan procura um quarto<br />

de Hotel, o de número 19, um refúgio para ser ela mesma, para seu “longing” (nunca acho<br />

68 “To Room Nineteen” (incluído <strong>no</strong> volume de contos A Man and Two Women). Uma estória escrita em 1958<br />

(época em <strong>que</strong> as <strong>que</strong>stões feministas começam a ter uma visibili<strong>da</strong>de mais efervescente), e assim como “The<br />

Yellow Wallpaper” também sobre o casamento enquanto armadilha para a mulher, a domestici<strong>da</strong>de como poço<br />

sem fundo, e a tríade: inteligência­conhecimento­cultura, como não suficientes para a liber<strong>da</strong>de <strong>feminina</strong> frente à<br />

seus papéis sociais estabelecidos.<br />

69 Susan, o personagem principal uma mulher classe média, bem nasci<strong>da</strong>, bem casa<strong>da</strong>, com filhos, profissão, ou<br />

seja uma mulher dos <strong>no</strong>vos tempos, onde a opressão já não deveria fazer sofrer às mulheres. Ela e Matthew, seu<br />

marido, eram realizados profissionalmente, tinham quatro filhos, uma casa grande, um jardim, amigos, carros, e<br />

inserção social, MAS (o problema estava nessa conjunção de oposição...) tinha esta “enti<strong>da</strong>de”, esta ausência<br />

inexplicável, <strong>da</strong>s per<strong>da</strong>s reais e abstratas <strong>que</strong> uma mulher experiência quando se casa. Talvez pelo fato , como<br />

fala a própria Susan diz, de a “sua alma não ser mas tão e somente sua....”. Ironicamente, a vi<strong>da</strong> e a trajetória <strong>da</strong>s<br />

mulheres ain<strong>da</strong> se faz trágica, e a voz de Susan não era ouvi<strong>da</strong> dentro <strong>da</strong>s leis e princípios patriarcais, silenciosos<br />

ou não, de uma vi<strong>da</strong> “comum” de uma família <strong>que</strong> se dizia feliz. E é nessa busca insistente por uma ordem difícil<br />

de se alcançar, <strong>que</strong> Susan começa seu caminho de (des)ordem ou momentos de mo<strong>no</strong>tonia existencial: “Muito<br />

freqüentemente ela se sentia entedia<strong>da</strong>, uma vez <strong>que</strong> crianças pe<strong>que</strong>nas podem ser monótonas; ela estava sempre<br />

muito cansa<strong>da</strong>; mas não se arrependia de na<strong>da</strong>. Na próxima déca<strong>da</strong>, ela voltaria a ser uma mulher com uma vi<strong>da</strong><br />

to<strong>da</strong> sua” (“To room nineteen, tradução minha).<br />

Susan tenta inutilmente ter em sua própria casa o “mother´s room”, um <strong>espaço</strong> todo seu, <strong>que</strong> não funciona.<br />

Susan precisa de solidão, de reclusão dos afazeres domésticos. O Quarto 19, seria assim sua salvação para <strong>que</strong><br />

não sucumbisse ao papel estabelecido dos códigos sociais e a fragmentação do seu Eu. Uma ruptura dos anseios<br />

individuais versus os padrões de uma Organização Social de <strong>no</strong>me Mulher. Nesse Quarto, Susan inventa <strong>que</strong> é<br />

um quarto para encontros amorosos. É mais fácil justificar uma traição com um outro do <strong>que</strong> com ela mesma,<br />

pois afinal <strong>que</strong>m acreditaria <strong>que</strong> Susan visita sempre esse quarto só e unicamente pela necessi<strong>da</strong>de de ficar<br />

sozinha? Quem de nós mulheres já não sentimos essa falta de ar; falta de ter um <strong>espaço</strong> físico e subjetivo todo<br />

<strong>no</strong>sso? Lembro <strong>que</strong> quando tinha meus bebês, adorava a hora bendita de ir ao banheiro. Era a minha hora! A<br />

hora <strong>da</strong> solidão quando nós, mães, já não somos um individuo, mas dois (eu e o e meu bebê = uma só pessoa).<br />

Agora já com os filhos crescidos, continuo a procurar o meu “monther´s room” pela casa, <strong>que</strong> assim também<br />

como Susan, não responde aos meus anseios de isolamento, mas como os tempos são outros, já não é preciso a<br />

vertigem de um suicídio. Nem mesmo simbólico, pois já conseguimos por mais precário <strong>que</strong> seja, confrontarmos<br />

o <strong>no</strong>sso Eu social com o <strong>no</strong>sso Eu marginal. E os momentos de ordem e (des)ordem já não precisam <strong>da</strong> loucura<br />

do papel de parede de Gilman nem do Quarto 19 de Dóris Lessing.

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