que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...
que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...
que mergulho! o espaço vertiginoso da subjetividade feminina no ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
encruzilha<strong>da</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> com a morte. Mrs. Brown é o “leitornáufrago” à espera do resgate e<br />
vivencia a experiência <strong>da</strong> leitura, como se fosse um afogamento, como descreve Leonardo<br />
Mendes o seu “leitor desamparado” (2005/2006, p.114). A cena é corta<strong>da</strong> pela imagem do<br />
personagem de Woolf em As Horas, criando um diálogo do seu personagem para seu livro em<br />
<strong>que</strong> se pergunta: “...Importava...perguntouse enquanto caminhava...cessar totalmente...tudo<br />
continuaria sem ela...ela se ressente?...ou não...seria um consolo acreditar <strong>que</strong> a morte<br />
terminava tudo absolutamente...?” Simultaneamente , em cortes instantâneos, Laura Brown<br />
deita<strong>da</strong>, alisa sua barriga grávi<strong>da</strong> de sete meses, entrecorta<strong>da</strong> pela face concentra<strong>da</strong> de<br />
Virginia, <strong>que</strong> aflita e com os olhos cheios de lágrimas, decide o final de Mrs. Dalloway, <strong>que</strong> é<br />
falado através de Laura Brown quando por fim exclama: “É possível morrer.” A frase é<br />
ecoa<strong>da</strong> por Virginia: “é possível morrer.” Dessa vez interrompi<strong>da</strong> pela frase mais <strong>que</strong> prosaica<br />
<strong>da</strong> irmã Vanessa comentando as compras na sofistica<strong>da</strong> loja Londrina Harrods. Virginia<br />
absorta não escuta, os sobrinhos fazem chacota <strong>da</strong> tia esquisita... Em <strong>que</strong> pensa Virginia, lhe<br />
pergunta a irmã, e a sobrinha Angélica. Laura Brown folheia o livro como <strong>que</strong> procurasse a<br />
resposta tanto sobre os pensamentos de Virginia quanto sobre o desti<strong>no</strong> de Mrs. Dalloway;<br />
como <strong>que</strong> se estivessem conecta<strong>da</strong>s por um só tempo e paralisa<strong>da</strong>s num só <strong>espaço</strong>. Vanessa<br />
pergunta à irmã: “Ain<strong>da</strong> está co<strong>no</strong>sco?” E ao mesmo tempo explica para a filha: “Sua tia tem<br />
sorte por possuir duas vi<strong>da</strong>s: a sua própria e a <strong>da</strong>s estórias dos seus livros.” A explicação<br />
parece irônica, pois <strong>no</strong> momento Virginia talvez não tenha nenhuma <strong>da</strong>s vi<strong>da</strong>s, já <strong>que</strong> se<br />
encontra paralisa<strong>da</strong> pela depressão, doença <strong>que</strong> a perseguiu até a morte. Sua única angústia se<br />
reduz ao fato de saber se sua irmã percebe sua melhora.<br />
A cena tem <strong>no</strong>vamente um corte, num zigzag de pla<strong>no</strong>s, e aparece <strong>no</strong>vamente Laura<br />
Brown com os remédios, deita<strong>da</strong> <strong>no</strong> meio <strong>da</strong> cama com a sua barriga descoberta, os remédios<br />
simetricamente arrumadinhos à seu lado, quando de repente uma água escura e cheia de algas<br />
invade o quarto ao som <strong>da</strong> música crescente de Phillip Glass, e Laura Brown é inun<strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />
essa água como se “ ...o desti<strong>no</strong> <strong>da</strong>s imagens <strong>da</strong> água seguissem com muita exatidão o desti<strong>no</strong><br />
do devaneio principal <strong>que</strong> é o devaneio <strong>da</strong> morte” (BACHELARD, 2002, p.48).<br />
A edição desta cena é feita numa fusão abrupta de uma imagem sobre a outra, e apesar<br />
do susto e <strong>da</strong> tristeza, poderíamos dizer <strong>que</strong> se constitui como um exemplo do cinema de<br />
poesia articulado por Buñuel e Pasolini, já <strong>que</strong> a cena em si capta uma intensi<strong>da</strong>de imprevista,<br />
valorizando as <strong>no</strong>ções de fotogenia e ritmo, como analisa Maria Esther Maciel em: “A poesia<br />
à flor <strong>da</strong> tela”: