Lygia da Fonseca Fernandes - Fundação Biblioteca Nacional
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selvagens revestidos de vermelho. Na cabeça trazem ornatos de osso<br />
branco – as mulheres usam conchas como cinto, alguns de mais de<br />
três braças de comprimento. (...) Quando vão à guerra, ou quando<br />
matam com soleni<strong>da</strong>de um prisioneiro, enfeitam-se com vestes –<br />
máscaras, braceletes e outros ornatos de penas: verdes, encarna<strong>da</strong>s<br />
ou azuis de incomparável beleza natural. Do mesmo modo enfeitam<br />
as guarnições de suas clavas e <strong>da</strong>rdos, os quais, assim decorados,<br />
produzem efeito deslumbrante. Para indicar quantos prisioneiros<br />
comeram ou mataram, retalham os peitos, braços e as coxas, esfregando<br />
as incisões com um certo pó preto, indelével – dir-se-ia que<br />
usam calções ou gibões suíços, riscados.<br />
Assim eram encontrados os naturais <strong>da</strong> região <strong>da</strong> Guanabara, nos arredores <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de quinhentista, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelos portugueses.<br />
Estes, aqui instalados, monges, frades, burocratas, guerreiros, povo, vestiam-se<br />
à europeia, mas apenas os ricos poderiam se <strong>da</strong>r ao fi<strong>da</strong>lgo luxo de uma indumentária<br />
mais requinta<strong>da</strong> – os preços eram de espantar – valendo um terno de roupa mais do que<br />
proprie<strong>da</strong>des, conforme se lê nos antigos inventários.<br />
Tecia-se o algodão e fabricava-se a fazen<strong>da</strong> para as camisas e calças, o comum do<br />
vestuário. O escravo, logo importado para o trabalho <strong>da</strong> lavoura, trouxe vistosas roupagens<br />
de influência muçulmana, que as negras, sobretudo, ostentavam, até o começo do<br />
século XIX, em seus turbantes, panos <strong>da</strong> costa e balangandãs.<br />
A catequese jesuítica vestiu também aquele índio orgulhoso de sua decoração<br />
plumária e que vivia inocente em sua completa nudez.<br />
Conhecem-se dos dois primeiros séculos poucos documentos iconográficos.<br />
Testemunham a indumentária de pessoas de alta categoria social os quadros a<br />
óleo existentes na galeria dos benfeitores <strong>da</strong> Santa Casa de Misericórdia: o primeiro retrata<br />
Gonçalo Gonçalves e sua mulher. A figura feminina traja por cima do vestido, em<br />
pregas e completamente fechado, uma capa de lã merino que lhe cobre desde a cabeça,<br />
os ombros e o corpo, tendo ain<strong>da</strong> a encobrir-lhe o pescoço e o colo um fichu à guimpe,<br />
isto é, um lenço que encobre o pescoço e o peito, como usam atualmente as freiras. O segundo<br />
retrato é o de Inácio <strong>da</strong> Silva Medella: traja balandrau, espécie de capote largo e<br />
comprido com capuz e mangas largas, mantéu – capa com colarinho encanu<strong>da</strong>do e abas<br />
pendentes, camisa de bretanha (tecido fino de lã ou algodão), com punhos franzidos<br />
aparecendo e bofes ren<strong>da</strong>dos (peitilho); meia até o joelho e botinas.<br />
Passa pelo Rio em 1695 François Froger, que deixa um bem traçado documentário<br />
<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> local, com descrições detalha<strong>da</strong>s desde as fortalezas até os hábitos do povo:<br />
"os habitantes desta ci<strong>da</strong>de são muito asseados, trajam com muito luxo e têm muitas<br />
riquezas em terras e escravos nas suas fazen<strong>da</strong>s".<br />
Apesar destes testemunhos, atravessa o Rio de Janeiro, durante os dois primeiros<br />
séculos de existência, uma época de ascetismo e pobreza, até chegar ao esplendor do<br />
século XVIII, que transformou a ci<strong>da</strong>de acanha<strong>da</strong> em capital do Estado do Brasil, em<br />
1763. A necessi<strong>da</strong>de de vigiar a riqueza aurífera de Minas Gerais e os extremos limites<br />
do território português, a colônia do Sacramento, torna a sede do governo o Rio de Ja-