Lygia da Fonseca Fernandes - Fundação Biblioteca Nacional
Lygia da Fonseca Fernandes - Fundação Biblioteca Nacional
Lygia da Fonseca Fernandes - Fundação Biblioteca Nacional
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
84<br />
Bastaria, entretanto, o testemunho do oficial português Carlos Julião, que esteve no<br />
Rio por volta do último quartel do século XVIII, para nos rendermos à constatação mais<br />
evidente de que realmente existia uma preocupação de elegância e um excesso de luxo<br />
em to<strong>da</strong>s as escalas sociais. No seu precioso álbum, cujos originais pertencem à Seção de<br />
Iconografia <strong>da</strong> <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, pode-se admirar, a par <strong>da</strong>s figuras de mulheres brancas,<br />
homens embuçados em grandes capotes, oficiais <strong>da</strong>s diversas armas, as escravas e<br />
mulatas livres a se exibir em requintes de graça e distinção – saias colori<strong>da</strong>s e estampa<strong>da</strong>s,<br />
blusas decotadíssimas, mantilhas e chapéus, turbantes, sapatos e chinelos de salto alto<br />
com bor<strong>da</strong>dos a ouro e inúmeras joias: colares, braceletes, brincos, fetiches e amuletos.<br />
Causam surpresa os desfiles de grupos nas festas religiosas, quando, em plena<br />
expansão de sua alegria ruidosa, os monarcas e súditos negros <strong>da</strong>s festas de Reis ou as<br />
irmãs <strong>da</strong> confraria de Nossa Senhora do Rosário aparecem no álbum desfilando nos<br />
adros <strong>da</strong>s igrejas ou nas ruas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, com suas mais belas e ricas vestimentas.<br />
Tudo documentou Carlos Julião, com uma precisão de detalhes e minúcia do desenho,<br />
para nosso encantamento, no seu valioso e raríssimo conjunto Riscos illuminados<br />
de figurinhos de brancos e negros dos uzos do Rio de Janeiro e Serro do Frio,<br />
recentemente editado em edição fac-similar pela <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />
Chega<strong>da</strong> a família real, novas influências vem sofrer a mo<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de colonial,<br />
então eleva<strong>da</strong> à sede do governo português.<br />
A mo<strong>da</strong> Império então dominava a Europa – os vestidos <strong>da</strong>s mulheres se transformam:<br />
cintura alta prendendo o busto logo abaixo do colo, saias caindo retas em franzidos<br />
soltos, sem ro<strong>da</strong>, cau<strong>da</strong>; sapatos sem salto, chapéu pequeno amarrado sob o queixo<br />
com enfeites de plumas e complementos: luvas e bolsa de longas alças.<br />
Debret, o famoso desenhista dos períodos real e imperial, descreve e desenha<br />
os vestuários <strong>da</strong>s <strong>da</strong>mas <strong>da</strong> corte, onde, depois <strong>da</strong> Independência, imperavam as cores<br />
verde e amarela nos trajes solenes <strong>da</strong> imperatriz d. Leopoldina e <strong>da</strong>s <strong>da</strong>mas que compunham<br />
seu séquito.<br />
Os homens de categoria, em grande parte, exerciam funções públicas. Portadores<br />
de títulos dignitários se esmeravam em far<strong>da</strong>mentos vistosos ou uniformes de funções<br />
oficiais do serviço público, <strong>da</strong>vam à ci<strong>da</strong>de um aspecto alegre e multicor, tão bem fixado<br />
pelos documentaristas do século XIX. O burguês, fazendeiro ou comerciante, trajava<br />
casaca aberta em abas nas costas, calções curtos e meias até o joelho; sapatos de entra<strong>da</strong><br />
baixa com fivelas e chapéu tricorne. Imprescindível na indumentária masculina era o<br />
guar<strong>da</strong>-sol, sempre carregado pelo escravo.<br />
Era, entretanto, no bizarro vestuário do povo, de grande predileção pelas cores<br />
vistosas combina<strong>da</strong>s de maneira agradável, que se debruçavam os artistas e documentaristas<br />
do século XIX, de passagem pelo Rio. São inúmeros os desenhos, aquarelas e<br />
estampas, conhecidos, onde a varie<strong>da</strong>de dos trajes, a começar pelas saias ro<strong>da</strong><strong>da</strong>s, blusas<br />
soltas, turbantes ou enormes chapéus de palha, enfeites de ouro ou mesmo conchas,<br />
demonstravam a continui<strong>da</strong>de do gosto e <strong>da</strong> influência dos africanos que constituíam<br />
a maioria <strong>da</strong> população local. Devemos frisar que, a partir dos meados do século XIX,<br />
começam a desaparecer os vestuários característicos dos escravos. Não mais são encontra<strong>da</strong>s<br />
nas estampas dos viajantes as colori<strong>da</strong>s saias e panos <strong>da</strong> costa, os turbantes e<br />
berloques de ouro e tantos outros detalhes fixados pelos viajantes de épocas anteriores.