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Lygia da Fonseca Fernandes - Fundação Biblioteca Nacional

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As mulheres são em geral bonitas, têm cabelos naturais muito belos, que se comprazem<br />

em aformosear por seu modo de enfeitá-los ricamente com joias e flores. Os<br />

demais vestuários não julgo na<strong>da</strong> bonitos, os ingleses (na minha opinião) são preferíveis.<br />

13 Aqui elas são manti<strong>da</strong>s muito reclusas, geralmente não se vê durante o dia<br />

nenhuma delas fora de casa, exceto as que saem de cadeirinha e geralmente dão um<br />

passeio em noites de lua. A maneira comum de viajar é de rede, suspensa ao longo de<br />

uma vara a qual é carrega<strong>da</strong> por seus escravos; há um colchão na rede e uma coberta<br />

é pendura<strong>da</strong> na trave e cobre a pessoa quando está dormindo, mas se querem sentar,<br />

eles enrolam o colchão e puxam a cortina e assim viajam juntos vários dias: digo isto<br />

em relação às mulheres que não vão de carruagem ou montam a cavalo, sendo estas<br />

as duas formas comuns de viajar. 14<br />

Os homens são gente preguiçosa e indolente, são principalmente lojistas que<br />

aparentam ser muito pobres, mas devem ser ricos e talvez não se atrevam a demonstrá-lo;<br />

resumindo: endosso inteiramente a opinião de outros que acham que um mau<br />

espanhol faz um bom português. 15<br />

Aqui a proporção é de dez negros para um branco, e a ci<strong>da</strong>de possui cerca de 80<br />

mil habitantes, 16 são governados por um vice-rei que é enviado pelo rei de Portugal e<br />

tem em mãos poder de vi<strong>da</strong> e morte. Quando ele sai é acompanhado por um destacamento<br />

a cavalo e há cerca de 1.800 sol<strong>da</strong>dos de infantaria nesta parte do país. 17<br />

Quando alguém fica doente, a notícia é imediatamente envia<strong>da</strong> a seus parentes<br />

que vêm visitá-lo na casa, e se piora e o médico parece preocupado com sua<br />

vi<strong>da</strong>, é chamado um padre e frequentemente são feitas preces na sua presença e,<br />

quando o médico o dá por desenganado, ele recebe a extrema unção; nesta ocasião<br />

onde é apara<strong>da</strong> a água que cai do repuxo. Somente em fins do século XVIII, em 1779, foi substituído pelo de Mestre Valentim,<br />

que ain<strong>da</strong> hoje pode ser apreciado no local.<br />

13. Quanto ao vestuário, examinem-se as pranchas de Carlos Julião, que também passou pelo Rio de Janeiro no último<br />

quartel do século XVIII. Retrata em aquarelas de perfeita acui<strong>da</strong>de a indumentária <strong>da</strong> mulher, tanto na intimi<strong>da</strong>de doméstica<br />

quanto nas raríssimas ocasiões solenes em que aparecia em público. Caracterizavam a indumentária <strong>da</strong> mulher de categoria<br />

os sapatos de fazen<strong>da</strong>, penteados, tecidos preciosos, bor<strong>da</strong>dos, joias. As escravas e mulheres do povo vestiam-se com saias<br />

volumosas de tecido leve e estampado, blusas bor<strong>da</strong><strong>da</strong>s e decota<strong>da</strong>s, muitas joias de ouro e prata, enfeites nos cabelos, ou<br />

turbantes. Os homens usavam severos balandraus, calção, camisa de mangas largas aperta<strong>da</strong>s nos punhos de ren<strong>da</strong>, véstia,<br />

bofes ren<strong>da</strong>dos, meias botinas, chapéus, espa<strong>da</strong> – a roupagem era enfeita<strong>da</strong> de galões de ouro, botões e fitas. Assim se apresentavam<br />

os nobres e altos comerciantes. Os oficiais e sol<strong>da</strong>dos ostentavam vistosas far<strong>da</strong>s, colori<strong>da</strong>s conforme o esquadrão<br />

a que pertenciam, e os escravos vestiam-se com algodão tecido na terra – em geral torso nu. Vejam-se também as pranchas<br />

<strong>da</strong> obra As ci<strong>da</strong>des do Salvador e Rio de Janeiro no século XVIII, álbum iconográfico – para o vestuário <strong>da</strong> época, atestado<br />

de riqueza e bem-estar de seus habitantes.<br />

14. Também em relação aos transportes, as pranchas de Carlos Julião testemunham exatamente a maneira de viajar em rede<br />

ou de se transportar na ci<strong>da</strong>de, em cadeirinhas leva<strong>da</strong>s aos ombros pelos escravos. Embora desenha<strong>da</strong>s no princípio do século<br />

XIX, também as aquarelas de Debret e Ender fixam os costumes em uso no século anterior.<br />

15. As lojas ocupavam em geral a parte térrea <strong>da</strong>s casas de moradia, concentrando-se no perímetro urbano mais movimentado.<br />

A fiel iconografia <strong>da</strong>s lojas comerciais se encontra na obra de Debret e é váli<strong>da</strong> para o século anterior, já que as grandes<br />

transformações sociais só advieram a partir dos meados do século XIX. Quanto à aparência interna, as pranchas referentes<br />

à pa<strong>da</strong>ria, açougue, loja de carne-seca, sapataria, registram curiosos detalhes. Os costumes domésticos e o interior <strong>da</strong>s casas<br />

são apreciados nas pranchas: o jantar, a sesta. Acompanha<strong>da</strong>s de uma minuciosa descrição, a iconografia registra<strong>da</strong> por Debret<br />

é o melhor documentário social do Brasil recém-saído de um período de subordinação colonial.<br />

16. A escravidão, considera<strong>da</strong> como legítima instituição social, propiciava a entra<strong>da</strong>, no porto do Rio de Janeiro, de levas de<br />

escravos. Trazidos <strong>da</strong> África, onde eram adquiridos por escambo (sistema de trocas de seres humanos por objetos), pagavase,<br />

ao serem desembarcados na alfândega, uma taxa de 6$000 por peça; levados em segui<strong>da</strong> aos depósitos (que nessa época,<br />

século XVIII, funcionavam na Rua Direita e transversais), ficavam expostos à ven<strong>da</strong>. Eram os pretos a maioria <strong>da</strong> população<br />

e, ao se encerrar o século XVIII, contava a ci<strong>da</strong>de aproxima<strong>da</strong>mente 50 mil habitantes.<br />

17. Governou a ci<strong>da</strong>de, entre 1763 e 1767, o vice-rei conde <strong>da</strong> Cunha (d. Antônio Álvares <strong>da</strong> Cunha), nomeado por carta-régia<br />

governador do Estado do Brasil, cuja sede, na oportuni<strong>da</strong>de, foi transferi<strong>da</strong> para o Rio de Janeiro. Ativo e dinâmico, governou<br />

com energia e severi<strong>da</strong>de. Deve-se à sua administração grandes melhoramentos, como a construção de quartéis do Arsenal <strong>da</strong><br />

Marinha; a organização, por determinação real, de tropas do exército regular, sob chefia do tenente-coronel João Henrique<br />

de Bohn e a defesa <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, com estudo e reforma <strong>da</strong>s fortalezas, pelo brigadeiro Jacques Funck. Moralizou os costumes e<br />

executou obras públicas, tais como abertura de ruas e cobertura <strong>da</strong> vala (origem <strong>da</strong> Rua <strong>da</strong> Vala, atual Uruguaiana).<br />

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