Lygia da Fonseca Fernandes - Fundação Biblioteca Nacional
Lygia da Fonseca Fernandes - Fundação Biblioteca Nacional
Lygia da Fonseca Fernandes - Fundação Biblioteca Nacional
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
decoração <strong>da</strong> parede; sobre a cômo<strong>da</strong>, caixa de madeira para guar<strong>da</strong>dos e castiçal de<br />
prata, protegido por manga de cristal. O vasto janelão de guilhotina, protegido por pesa<strong>da</strong><br />
cortina apanha<strong>da</strong> de um lado, ressaltando a maçaneta de madeira esculpi<strong>da</strong> que a<br />
sustenta, abre-se para a baía de Guanabara, com perspectiva para Niterói; ao largo, veleiros,<br />
escunas e sumacas.<br />
São estes desenhos de paisagens brasileiras que estão reproduzidos no álbum<br />
publicado por Georges Duplain, e mais os seis utilizados no conjunto Sau<strong>da</strong>des do Rio<br />
de Janeiro. Devido a sua divulgação em duas edições brasileiras em fac-símile, e já descritas,<br />
nos abstivemos de repetir as descrições.<br />
Em separado, mencionaremos dos desenhos e aquarelas os aspectos sociais, tão<br />
bem captados pelo traço ágil, minucioso e preciso de Théremin. Pode-se bem avaliar<br />
com que deslumbramento o viajante europeu olhou aquela população escrava e mestiça<br />
que encontrou na ci<strong>da</strong>de, em contraste com as paisagens locais exuberantes e tropicais.<br />
As negras quitandeiras com grandes balaios à cabeça, envoltas em saias ro<strong>da</strong><strong>da</strong>s, panos<strong>da</strong>-costa,<br />
turbantes, ora senta<strong>da</strong>s nos degraus de pórticos <strong>da</strong>s igrejas e nos largos, vendendo<br />
frutas e comi<strong>da</strong>s, ora em grupos conversando ou ain<strong>da</strong> caminhando com o filho<br />
amarrado às costas ou o menino branco no braço. Os negros de ganho, para os serviços<br />
pesados – transportando os "tigres", madeiras, cestos para cargas –, se mesclam, nos<br />
pontos de maior movimentação, aos guar<strong>da</strong>s e policiais que fiscalizam o burburinho<br />
nas ruas centrais, enquanto, mais distantes, escravos lutam capoeira, momento registrado<br />
num dos difíceis passos <strong>da</strong> luta, pelo viajante. Outros desenhos de mulheres do<br />
povo, brancas ou mulatas, que se vestem de maneira recata<strong>da</strong>: sobre as vestes, grandes<br />
casacões e mantilhas cobrindo a cabeça e os ombros, trajes refletindo época mais recua<strong>da</strong>.<br />
Apenas uma figura de mulher em trajes luxuosos e modernos – vestido decotado,<br />
mangas curtas, colar rente ao pescoço, cabelo preso ao alto e bandós, se debruça numa<br />
saca<strong>da</strong> segurando o leque, numa demonstração de elegância e bom gosto, que não seria<br />
comum encontrar. Os religiosos – carmelitas, franciscanos, capuchinhos, beneditinos –<br />
mereceram de Théremin acurado estudo: foram minuciosamente desenhados nas suas<br />
roupagens de cores severas, a par dos vigários seculares e dos irmãos leigos de várias<br />
ordens como os de São Francisco de Paula e os pedidores de esmolas <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des<br />
religiosas, vestidos com a opa e estendendo o saco de espórtula aos passantes. Muito interesse<br />
demonstrou pelas diversas figuras que acompanhavam as procissões, em especial<br />
os anjinhos, registrando vários deles nas suas múltiplas figuras. Seu lápis, quase que<br />
poderia chamar-se "estenográfico", vai apontando o desenrolar <strong>da</strong> procissão de 13 de<br />
fevereiro de 1818, a procissão <strong>da</strong> Sexta-Feira <strong>da</strong> Paixão, em várias folhas de papel que,<br />
uni<strong>da</strong>s, dão a melhor visão do cerimonial (tudo com anotações do próprio punho), identificando<br />
os vários trechos. Primeiramente, o conjunto de trombetas que conclamam o<br />
povo – "arrependei-vos"; seguem-se os irmãos <strong>da</strong> ordem portando os estan<strong>da</strong>rtes, os<br />
anjinhos; o andor de Cristo carregando a cruz, ao ombro dos irmãos com as longas varas<br />
de sustentação; o cortejo dos monges beneditinos; sinetas ba<strong>da</strong>lando, incenso esparzido,<br />
precedem o pálio sob o qual o bispo levanta o ostensório para ser reverenciado pela<br />
multidão que segue atrás. Na continuação <strong>da</strong> mesma cerimônia, os irmãos <strong>da</strong> confraria<br />
carregam vários andores: Flagelação, Cristo à Coluna, Cristo no Jardim <strong>da</strong>s Oliveiras, o<br />
Anjo Cantor, o Sudário, Ecce Hommo, Cristo coroado de espinhos, todos entremeados<br />
com grupos de anjinhos e guar<strong>da</strong>s militares com estan<strong>da</strong>rtes. As cinzas trazi<strong>da</strong>s por re-<br />
199