O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...
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A professora Salete por diversas vezes chegou com um pequeno atraso <strong>em</strong> <strong>sala</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>aula</strong>, estressa<strong>da</strong> por causa do trânsito que enfrentava diariamente para se <strong>de</strong>slocar <strong>de</strong> uma<br />
escola a outra. Muitas vezes ain<strong>da</strong> foi fazer sua refeição, usar o toalete, apanhar material<br />
didático fora e <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> <strong>sala</strong>, trocar palavras rápi<strong>da</strong>s com a Direção Escolar, Coor<strong>de</strong>nação<br />
Pe<strong>da</strong>gógica e colegas <strong>de</strong> trabalho.<br />
“S<strong>em</strong>pre a escola não procura valorizar o trabalho do profissional”, disse a<br />
professora. Mais uma vez, ela <strong>de</strong>ixa aflorar talvez sua maior <strong>de</strong>cepção com a escolha<br />
profissional que fez. Valorização do professor e condições <strong>de</strong> trabalho para ela estão<br />
relaciona<strong>da</strong>s com os recursos materiais e humanos tão importantes no trabalho pe<strong>da</strong>gógico<br />
com os alunos:<br />
Não digo n<strong>em</strong> o b<strong>em</strong> estar do professor; seria uma xerox, uma <strong>sala</strong> organiza<strong>da</strong> com os cantinhos, <strong>jogo</strong>s, que são<br />
tão importantes, o lúdico <strong>da</strong> criança para a socialização. A criança fica mais concentra<strong>da</strong>, a criança que joga<br />
vai ter aquela li<strong>de</strong>rança, vai saber como jogar. As regras que a todo momento a gente está refazendo,<br />
reformulando regras com a criança e os <strong>jogo</strong>s iam nos aju<strong>da</strong>r, contribuir muito nessa tarefa árdua <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> dia,<br />
no dia-a-dia <strong>da</strong> <strong>sala</strong> <strong>de</strong> <strong>aula</strong> (Professora Salete <strong>em</strong> Entrevista dia 08/07/08).<br />
O fato <strong>de</strong> a professora trazer <strong>em</strong> suas falas essa inter-relação entre condições <strong>de</strong><br />
trabalho e suporte material para a criança avançar <strong>em</strong> seu aprendizado é muito significativo.<br />
Seus enunciados, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que revelam uma forte preocupação com o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> criança, por outro lado, se tornam uma <strong>de</strong>núncia contra as condições<br />
<strong>de</strong>sfavoráveis <strong>em</strong> que ela e muitos alunos viv<strong>em</strong>. Não me pareceram queixas intimistas, mas<br />
politiza<strong>da</strong>s.<br />
A professora dá importância ao <strong>jogo</strong> e as brinca<strong>de</strong>iras e enten<strong>de</strong> que eles contribu<strong>em</strong><br />
para o processo <strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong>, mas vê a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> organizar um espaço<br />
a<strong>de</strong>quado As precarie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s condições, mais uma vez, não favorec<strong>em</strong> o processo <strong>de</strong><br />
aquisição <strong>de</strong> comportamentos consi<strong>de</strong>rados satisfatórios pelos adultos para a convivência<br />
intra-escolar, a construção <strong>da</strong> autonomia, o respeito e valorização do outro. Ela contou que<br />
muitos dos <strong>jogo</strong>s que utiliza <strong>em</strong> <strong>sala</strong> <strong>de</strong> <strong>aula</strong> são doações recebi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> colegas <strong>de</strong> trabalho<br />
cujos filhos cresceram. E acrescenta:<br />
Eu acho que esta questão <strong>de</strong> material didático <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> escola está relaciona<strong>da</strong> com as condições <strong>de</strong> trabalho.<br />
As condições <strong>de</strong> trabalho estão atrela<strong>da</strong>s ao material também. É muito pobre, é precário, é uma escassez muito<br />
gran<strong>de</strong>. Eu acho também que, por sua vez, a secretaria valoriza tanto o brincar, mas não man<strong>da</strong> assim uma<br />
verba. Essas verbas que chegam dizendo que po<strong>de</strong>ria... Não sei, eu também não sei, porque não passam pra<br />
gente. O que po<strong>de</strong> ser comprado com esse dinheiro, já v<strong>em</strong> pré-<strong>de</strong>terminado, vai comprar isso, aquilo. Eu acho<br />
que po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>sloca<strong>da</strong> uma parcela <strong>de</strong>ssa quantia para compra <strong>de</strong> <strong>jogo</strong>s, materiais ludo-pe<strong>da</strong>gógicos. Você<br />
vê, quando chega aqueles quinhentos reais <strong>da</strong> prefeitura, aí v<strong>em</strong> aqueles catálogos pra você escolher, você não<br />
t<strong>em</strong> acesso, você só fica sabendo: “Ah, comprei isso, comprei aquilo”, o gosto <strong>da</strong> pessoa que vai comprar [...]<br />
(Professora Salete <strong>em</strong> Entrevista dia 08/07/08).<br />
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