O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...
O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...
O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
mecânico <strong>de</strong> fala que <strong>em</strong> na<strong>da</strong> se ass<strong>em</strong>elha ao processo dialógico que resulta <strong>de</strong> uma posição<br />
exotópica amadureci<strong>da</strong> na qual o enunciado configura-se num peso <strong>de</strong> valor <strong>de</strong><br />
acontecimento, possibilitando aos <strong>sujeitos</strong> interlocutores um “revelar-se na experiência <strong>da</strong><br />
estra<strong>da</strong>” e um “forjar-se” na t<strong>em</strong>porali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> viag<strong>em</strong>, provocando alterações recíprocas<br />
(AMORIM, 2006, p. 102). Arendt concluiria que o discurso traz à ação um caráter <strong>de</strong><br />
revelação do sujeito:<br />
De qualquer modo, <strong>de</strong>sacompanha<strong>da</strong> do discurso, a ação per<strong>de</strong>ria não só o seu<br />
caráter revelador como, e pelo mesmo motivo, o seu sujeito, por assim dizer: <strong>em</strong><br />
lugar <strong>de</strong> homens que ag<strong>em</strong>, teríamos robôs mecânicos a realizar coisas que seriam<br />
humanamente incompreensíveis. S<strong>em</strong> o discurso, a ação <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser ação, pois<br />
não haveria ator; e o ator, o agente do ato, só é possível se for, ao mesmo t<strong>em</strong>po, o<br />
autor <strong>da</strong>s palavras (ARENDT, 2005, p. 191).<br />
Termino este capítulo com Bakhtin (1992b) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo o amadurecimento do sujeito<br />
para assumir uma exotopia <strong>em</strong> seu cotidiano imediato e nas relações como sujeito sócio-<br />
histórico. O autor questiona as vantagens <strong>de</strong> o sujeito ensimesmar-se ou fundir-se com o<br />
outro; e argumenta sobre o componente alteritário, dialógico e constitutivo do ser humano.<br />
Em que se enriqueceria o acontecimento se eu fundir-me com o outro: se <strong>de</strong> dois,<br />
passamos a um? Que vantag<strong>em</strong> teria eu <strong>em</strong> que o outro se fun<strong>da</strong> comigo? Ele só<br />
verá e só saberá o que eu mesmo vejo e sei, ele somente reproduzirá <strong>em</strong> si mesmo o<br />
que <strong>em</strong> minha vi<strong>da</strong> continua s<strong>em</strong> solução; é preferível que ele permaneça fora <strong>de</strong><br />
mim, pois é a partir <strong>da</strong> sua posição que po<strong>de</strong> ver e saber o que, a partir <strong>da</strong> minha<br />
posição, não posso n<strong>em</strong> ver n<strong>em</strong> saber, sendo assim que ele po<strong>de</strong>rá enriquecer o<br />
acontecimento <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>. Ao somente fundir-me com a vi<strong>da</strong> do outro, limitome<br />
a acentuar o que continua s<strong>em</strong> solução nessa vi<strong>da</strong>, limito-me a duplicá-la<br />
numericamente. Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> efetiva do acontecimento,<br />
quando somos dois, o que importa não é o fato <strong>de</strong> que, além <strong>de</strong> mim, haja mais<br />
outro hom<strong>em</strong>, s<strong>em</strong>elhante a mim (dois homens), e sim que, para mim, ele seja o<br />
outro; é nisso que sua simpatia por minha vi<strong>da</strong> não é nossa fusão num único ser,<br />
não é uma duplicação numérica <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>, e sim um enriquecimento do<br />
acontecimento <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>, pois ele a vive <strong>de</strong> uma nova forma, numa nova<br />
categoria <strong>de</strong> valores – como vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> outro que é percebi<strong>da</strong> diferent<strong>em</strong>ente e recebe<br />
uma razão <strong>de</strong> ser diferente <strong>da</strong> sua própria. A produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do acontecimento não<br />
consiste na fusão <strong>de</strong> todos <strong>em</strong> um, mas na exploração <strong>da</strong> exotopia que permite à<br />
pessoa situar-se num lugar que é a única a po<strong>de</strong>r ocupar fora dos outros (p. 102-3).<br />
No próximo capítulo busco dialogar com a história <strong>da</strong> educação brasileira e com<br />
referenciais sócio-históricos cont<strong>em</strong>porâneos que investigam a relação entre o <strong>jogo</strong><br />
enunciativo e o aprendizado <strong>da</strong> Língua Portuguesa. Pensar as questões relativas ao fracasso<br />
escolar partindo <strong>da</strong> pr<strong>em</strong>issa <strong>de</strong> que seja necessário criar condições educativas e pe<strong>da</strong>gógicas<br />
que estimul<strong>em</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros anos <strong>de</strong> escolarização a reação e a produção <strong>de</strong> réplicas,<br />
segundo a teoria <strong>da</strong> <strong>enunciação</strong> <strong>de</strong> Bakhtin, constituiu-se para mim num caminho. O professor<br />
<strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sejar essa reação do aluno, como ato criador que renova e re-configura o já dito.<br />
Desejo como um projeto revolucionário que conduz à práxis <strong>em</strong> favor <strong>da</strong> autonomia social.<br />
66