O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...
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- O Thiago não estava quieto lá atrás, ficou contando pia<strong>da</strong>s, não sei mais o quê – acusou Úrsula.<br />
- Úrsula falou que pra bater palmas, não sei o que lá, mas eu não bati, não! Defen<strong>de</strong>u-se Paulo.<br />
- Miguel, você estava chorando, por quê? Perguntou a professora.<br />
- Porque Marlon me machucou s<strong>em</strong> querer com o pé <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ira.<br />
A professora l<strong>em</strong>brou que um grupo estava interessado <strong>em</strong> ver o filme e outro <strong>em</strong> bagunçar.<br />
- As regras vocês mesmos fizeram e que já rev<strong>em</strong>os há pouco t<strong>em</strong>po. Vocês estão se esquecendo <strong>de</strong>las...<br />
Você também, Miguel, vamos acor<strong>da</strong>r, reagir, tomar iniciativa, ter sagaci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Úrsula acusou Gabriel <strong>de</strong> ter-lhe dito “Cala a boca, sua mentirosa, vou te bater na saí<strong>da</strong>”.<br />
A professora então disse a Gabriel que ele tinha a palavra:<br />
- Mentirosa! Acusou Gabriel.<br />
- Vamos passar uma borracha e quero soluções que partam <strong>de</strong> vocês – falou a professora.<br />
- Não po<strong>de</strong>..., não po<strong>de</strong>... (Tatiana repete as regras gerais elabora<strong>da</strong>s pela turma).<br />
- Eu quero saber como vamos conversar com nossos amigos para não fazer<strong>em</strong> mais o que fizeram.<br />
Qu<strong>em</strong> quiser po<strong>de</strong> fazer o pedido! Disse a professora.<br />
- Gente, não vamos mais fazer bagunça durante o filme, senão a tia não vai mais <strong>de</strong>ixar usar -<br />
argumentou Úrsula com os colegas.<br />
A professora l<strong>em</strong>bra a aluna que ela precisa se retratar com a turma também.<br />
- Eu peço <strong>de</strong>sculpa à turma e à professora por ter saído correndo pela <strong>sala</strong> e causado tumulto –<br />
<strong>de</strong>sculpou-se Úrsula.<br />
E assim, mais alguns minutos <strong>de</strong> conversa sobre os fatos ocorridos e chegara a hora <strong>de</strong> ir<strong>em</strong> para casa.<br />
S<strong>em</strong> terminar<strong>em</strong> <strong>de</strong> assistir ao filme.<br />
Como se dá a autoavaliação <strong>da</strong> criança nesta faixa etária? Qual o lugar do olhar do<br />
outro neste processo <strong>de</strong> auto avaliar-se?A criança nesta i<strong>da</strong><strong>de</strong> faz realmente autoavaliação?<br />
Ou está ain<strong>da</strong> completamente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do olhar do outro?<br />
Seria esse momento uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> abrir uma brecha para que o direito à<br />
<strong>enunciação</strong> não estivesse vinculado ao domínio <strong>de</strong> saberes? Po<strong>de</strong>ria até ser, mas <strong>de</strong>ssa vez se<br />
priorizava, sobretudo, o comportamento social pré-estabelecido pelo grupo e professora como<br />
o mais <strong>de</strong>sejável. Portanto, é possível concluir que para alguns alunos <strong>de</strong>ssa turma, a situação<br />
quase s<strong>em</strong>pre não era favorável; a única possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estar <strong>em</strong> <strong>de</strong>staque era quando lhes<br />
chamavam a atenção por causa <strong>de</strong> comportamentos in<strong>de</strong>sejáveis. Em alguns momentos<br />
reservados para a autoavaliação verificou-se, numa abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> inicial feita pela professora, a<br />
mesma função controladora presente <strong>em</strong> sua prática pe<strong>da</strong>gógica, <strong>de</strong>stacando, principalmente,<br />
aspectos éticos e morais. Isso me reporta ao que o filósofo francês Gillles Deleuze disse a<br />
Foucault, numa conversa sobre os intelectuais no po<strong>de</strong>r: “Vários tipos <strong>de</strong> categorias<br />
profissionais vão ser convi<strong>da</strong>dos a exercer funções policiais ca<strong>da</strong> vez mais precisas:<br />
professores, psiquiatras, educadores <strong>de</strong> todos os tipos, etc.” (MACHADO, 2009, p. 44).<br />
Pareceu-me que a dinâmica <strong>de</strong> autoavaliação favorecia a que alguns alunos <strong>da</strong> turma<br />
1303 se sentiss<strong>em</strong> <strong>em</strong>po<strong>de</strong>rados, argumentando contra as atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uns colegas, procurando<br />
encontrar culpados pelos probl<strong>em</strong>as ocorridos durante os eventos <strong>da</strong> tar<strong>de</strong>, inquirindo outros,<br />
<strong>de</strong>sculpando-se a si próprios ou àqueles com os quais têm mais ligação.<br />
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