19.04.2013 Views

O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...

O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...

O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

projetos utópicos, quando concretizados, acabam arruinados “sob o peso <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, não<br />

tanto <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> circunstâncias externas, mas, sobretudo, <strong>da</strong>s relações humanas reais” (p.<br />

240).<br />

Evento XXV<br />

Salete distribuiu uma folha com a letra <strong>da</strong> música Aquarela. Combinou com os alunos que to<strong>da</strong> vez que ela<br />

parasse a música eles <strong>de</strong>veriam marcar a última palavra canta<strong>da</strong>.<br />

Úrsula: Tia, se você parar a música na parte que canta “guar<strong>da</strong>-chuva”, t<strong>em</strong>os que marcar “guar<strong>da</strong>-chuva”?<br />

Salete: Claro! É a palavra inteira.<br />

Ricardo: Tia, agora eles disseram que vão tirar esse negócio.<br />

Salete: É. Vai sim. Vai mu<strong>da</strong>r. O hífen.<br />

Tatiana: Tia, também aquele negócio do cinqüenta!<br />

Salete: O tr<strong>em</strong>a, não é?<br />

Ricardo: O alfabeto também vai mu<strong>da</strong>r <strong>de</strong> 23 letras para 26 letras.<br />

Úrsula: “Bora” começar!<br />

Salete: Vamos aguar<strong>da</strong>r o ano que v<strong>em</strong>.<br />

A ca<strong>da</strong> palavrinha circula<strong>da</strong> pelos alunos, a professora ia até o painel para circular também. Os alunos que<br />

apresentaram mais facili<strong>da</strong><strong>de</strong> para realizar a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> reclamaram por isso, mas ela justificou sua atitu<strong>de</strong>:<br />

Salete: Ué, tenho que circular pra saber qual a que já foi trabalha<strong>da</strong>.<br />

Maurício: Tia, ô, tia! Deixa eu falar com você rapidinho!<br />

Salete: Olha só, não po<strong>de</strong>! Vamos terminar... Em vários momentos, Maurício tenta protagonizar a cena, como<br />

“Viu? Eu acertei, eu falei a palavra primeiro” (Observação <strong>de</strong> Campo, fita nº 5 “Aquarela” <strong>em</strong> 07/10/08).<br />

Nesse evento, assim como <strong>em</strong> muitos outros, pareceu-me que a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> falar e<br />

ser escutado principalmente pela professora não foi <strong>da</strong><strong>da</strong> igualmente a todos. Isso ocorreu<br />

frequent<strong>em</strong>ente nos momentos <strong>em</strong> que alunos com menos domínio <strong>de</strong> saberes e <strong>de</strong><br />

comportamentos ‘ditos’ <strong>de</strong>sejáveis se propunham a argumentar, era como se já soubess<strong>em</strong> o<br />

que po<strong>de</strong>ria ir <strong>de</strong>les; havia como que uma forma <strong>de</strong> acautelamento diante <strong>da</strong>s tentativas <strong>de</strong><br />

<strong>enunciação</strong> <strong>de</strong> alguns alunos; contrastando com um enaltecimento e insistente convite,<br />

advindos principalmente <strong>da</strong> professora, dirigidos a alguns do grupo para que participass<strong>em</strong><br />

nos acontecimentos <strong>da</strong>quele cotidiano.<br />

Por outro lado, muitas <strong>sala</strong>s <strong>de</strong> <strong>aula</strong> ass<strong>em</strong>elham-se mais a fábricas; e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s se parece mais com uma produção <strong>em</strong> massa do que <strong>em</strong>penho<br />

coletivo pelo conhecimento. Geraldi (1995) fala <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> capatazia assumi<strong>da</strong> por<br />

muitos professores <strong>em</strong> seus trabalhos, especialmente com o ensino <strong>da</strong> Língua Portuguesa. Isto<br />

nos r<strong>em</strong>ete também ao conceito <strong>de</strong> reificação, enten<strong>de</strong>ndo que, quando o papel do professor é<br />

o <strong>de</strong> exercer a capatazia, certamente ele apela para o uso <strong>de</strong> forças centrípetas, típicas <strong>da</strong><br />

ditadura, do autoritarismo, ten<strong>de</strong>ndo à reificação, mesmo que não haja intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>libera<strong>da</strong>. Entretanto, há uma tentativa dos dois lados – alunos e professores - <strong>de</strong> romper<br />

com esta forma <strong>de</strong> relação. O texto, <strong>em</strong> suas mais varia<strong>da</strong>s formas, é uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> para<br />

alunos e professores <strong>de</strong> retomar<strong>em</strong> o papel <strong>de</strong> produtores discursivos.<br />

158

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!