O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...
O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...
O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
O início <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s escolares para a turma 1303 d<strong>em</strong>orava mais ou menos uns 40<br />
minutos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o horário <strong>da</strong> entra<strong>da</strong>: os alunos chegavam à <strong>sala</strong> <strong>de</strong> <strong>aula</strong> e tinham um t<strong>em</strong>po<br />
livre para manusear os <strong>jogo</strong>s, almoçar, conversar, trocar idéias sobre brinquedos, notícias,<br />
novi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas casas, falar sobre <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> casa, escovar os <strong>de</strong>ntes, ir ao toalete, etc. A<br />
professora necessitava <strong>de</strong>sse t<strong>em</strong>po, pois chegava <strong>de</strong> outra escola, localiza<strong>da</strong> <strong>em</strong> outro bairro<br />
<strong>da</strong> zona sul, após enfrentar o caos no trânsito <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> carioca, durante o intervalo <strong>de</strong> uma<br />
hora. Portanto, era também nesse horário que ela costumava fazer sua refeição, usar o toalete,<br />
etc. O fato é que o dia-a-dia dos <strong>sujeitos</strong> <strong>de</strong>sta turma já começava agitado, não sei se<br />
po<strong>de</strong>ríamos dizer <strong>de</strong>sorganizado na escola. Após esse t<strong>em</strong>po, a professora tomava o comando<br />
<strong>da</strong> turma.<br />
As observações <strong>da</strong> dinâmica do apadrinhamento revelaram que esta estratégia<br />
pe<strong>da</strong>gógica, assim como qualquer outra dinâmica precisaria ser avalia<strong>da</strong> cotidianamente.<br />
Pelas observações realiza<strong>da</strong>s, pu<strong>de</strong> perceber a ocorrência <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ologia que se aproximava<br />
muito <strong>da</strong> tentativa <strong>de</strong> supr<strong>em</strong>acia e soberania <strong>de</strong> um sobre o outro. Essa dinâmica acabou<br />
gerando alguns efeitos contrários à idéia que vimos estu<strong>da</strong>ndo nessa dissertação sobre as<br />
forças centrífugas nas relações dialógicas; e, possivelmente, <strong>de</strong>sviou-se também <strong>da</strong>s reais<br />
intenções pe<strong>da</strong>gógicas <strong>da</strong> professora. Vale à pena reportarmos às reflexões <strong>de</strong> Arendt (2005):<br />
125<br />
O po<strong>de</strong>r só é efetivado enquanto a palavra e os atos não são brutais, quando as<br />
palavras não são <strong>em</strong>prega<strong>da</strong>s para velar intenções, mas para revelar reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, e os<br />
atos não são usados para violar e <strong>de</strong>struir, mas para criar relações e novas reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
[...]. Enquanto a força é a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> natural <strong>de</strong> um indivíduo isolado, o po<strong>de</strong>r passa a<br />
existir entre os homens quando eles ag<strong>em</strong> juntos, e <strong>de</strong>saparece no instante <strong>em</strong> eles se<br />
dispersam (p. 212).<br />
Estar no papel <strong>de</strong> padrinho e madrinha pareceu-me ter conferido ao aluno o status <strong>de</strong><br />
inteligente, estudioso, esperto. Estar no papel <strong>de</strong> afilhado ou afilha<strong>da</strong>, ao contrário, talvez<br />
tenha significado imaginariamente, inaptidão, ineficiência, incapaci<strong>da</strong><strong>de</strong>, inferiori<strong>da</strong><strong>de</strong>, etc. A<br />
professora até compreen<strong>de</strong> que essa dinâmica <strong>de</strong> apadrinhamento “incomo<strong>da</strong>” aos alunos<br />
padrinhos, mas parece não enxergar o mesmo sentimento no aluno que é apadrinhado. Se<br />
mais uma vez recorrermos à filosofia arendtiana, perceber<strong>em</strong>os que a essas questões<br />
educacionais do cotidiano <strong>de</strong> uma <strong>sala</strong> <strong>de</strong> <strong>aula</strong> possa ser aplicado seu argumento: “o<br />
comportamento substituiu a ação como principal forma <strong>de</strong> relação humana” (ARENDT, 2005,<br />
p. 51).<br />
Como os <strong>sujeitos</strong>-alunos-crianças se apropriam <strong>da</strong>s dinâmicas ou estratégias que<br />
objetivam as interações ou mediações entre eles?