O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...
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a mim (dois homens), e sim que, para mim, ele seja o outro; é nisso que sua simpatia<br />
por minha vi<strong>da</strong> não é nossa fusão num único ser, não é uma duplicação numérica <strong>da</strong><br />
minha vi<strong>da</strong>, e sim um enriquecimento do acontecimento <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>, pois ele a<br />
vive <strong>de</strong> uma nova forma, numa nova categoria <strong>de</strong> valores – como vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> outro que<br />
é percebi<strong>da</strong> diferent<strong>em</strong>ente e recebe uma razão <strong>de</strong> ser diferente <strong>da</strong> sua própria. A<br />
produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do acontecimento não consiste na fusão <strong>de</strong> todos <strong>em</strong> um, mas na<br />
exploração <strong>da</strong> exotopia que permite à pessoa situar-se num lugar que é a única a<br />
po<strong>de</strong>r ocupar fora dos outros (p. 102-103).<br />
Faraco (apud MARCHEZAN, 2006; apud Fiorin, 2006) vai falar <strong>de</strong> diálogo reificado,<br />
finalizado, monologizado. E do contrário: diálogo como reação do eu ao outro, tensão entre o<br />
eu e o outro, entre círculo <strong>de</strong> valores, entre forças sociais, como modo <strong>de</strong> reagir à palavra <strong>de</strong><br />
outr<strong>em</strong>. Essa forma <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>de</strong> Faraco afina-se com a minha análise sobre o <strong>jogo</strong><br />
enunciativo <strong>em</strong> <strong>sala</strong> <strong>de</strong> <strong>aula</strong>.<br />
Por diversas vezes, presenciei momentos <strong>em</strong> que as relações dialógicas na turma 1303<br />
revelavam a tensão entre as múltiplas vozes sociais, as contradições vivas, como no evento a<br />
seguir:<br />
Evento XXIII<br />
Nesse momento entra a pessoa encarrega<strong>da</strong> <strong>da</strong> “<strong>sala</strong> <strong>de</strong> leitura” que não existe na escola, dizendo:<br />
- Só um minutinho! Mírian.! Cadê meu livro, Mírian?<br />
Maurício: E o Marlon!<br />
Marlon: Tia, eu não “se” toquei no sábado e domingo, por isso eu esqueci hoje!<br />
A encarrega<strong>da</strong> pela “<strong>sala</strong> <strong>de</strong> leitura” disse:<br />
- Caso sério! Mírian, trouxe o livro?<br />
Mírian: Trouxe.<br />
A encarrega<strong>da</strong> pela “<strong>sala</strong> <strong>de</strong> leitura” interpelou Marlon, que explicou:<br />
- Tia, meu livro eu esqueci porque ont<strong>em</strong> fui na festa e antes <strong>de</strong> ont<strong>em</strong> fui à praia porque minha mãe pediu.<br />
Encarrega<strong>da</strong>: Achou o livro?<br />
Marlon diz não com a cabeça.<br />
- Então, faça o favor <strong>de</strong> trazer outro livro!<br />
Marlon: Então. eu ia (balança que sim).<br />
Encarrega<strong>da</strong>: Eu não quero saber se você per<strong>de</strong>u. Você vai ter que trazer outro livro, tá? Trazer outro livro, tá?<br />
Gabriel: Ele t<strong>em</strong> livro, tia! (Filmag<strong>em</strong> <strong>em</strong> 22/09/08 “Linguag<strong>em</strong> verbal e não verbal”)<br />
A professora trabalhava <strong>em</strong> sua <strong>aula</strong> <strong>de</strong> Português o t<strong>em</strong>a “Linguag<strong>em</strong> verbal e não-<br />
verbal” e foi interrompi<strong>da</strong> pela funcionária encarrega<strong>da</strong> pela “<strong>sala</strong> <strong>de</strong> leitura”, cobrando a<br />
<strong>de</strong>volução dos livros <strong>em</strong>prestados a Marlon e Milena. Quis trazer este evento porque foi um<br />
momento tenso na <strong>sala</strong> <strong>de</strong> <strong>aula</strong> para a professora que não concor<strong>da</strong>va com a forma com a<br />
forma improvisa<strong>da</strong> na escola <strong>de</strong> tratar os projetos <strong>de</strong> leitura e n<strong>em</strong> com a forma <strong>de</strong> cobrança<br />
<strong>de</strong>sses livros feita pela funcionária. Os alunos Mirian e Marlon, por sua vez, ficaram s<strong>em</strong><br />
jeito, principalmente Marlon, que não havia trazido o livro n<strong>em</strong> um outro para substituir o que<br />
havia perdido. Esse aluno havia acabado <strong>de</strong> ganhar uma irmãzinha, sua mãe estava numa casa<br />
e ele noutra com seu pai. Talvez por isso ele não tivesse achado o livro. Muita coisa se<br />
ensinou naquele momento sobre linguag<strong>em</strong>, sobre o peso <strong>da</strong> palavra do outro e sobre suas