O jogo da enunciação em sala de aula e a formação de sujeitos ...
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Castoriadis (1991) sobre a resistência contra a reificação e a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>da</strong><br />
autonomia dos <strong>sujeitos</strong> perante o discurso do Outro. Parece-me que há uma busca dos alunos<br />
por ações que permitam sua inserção e notorie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> <strong>sala</strong> <strong>de</strong> <strong>aula</strong>. Mesmo conscientes do<br />
controle do adulto professor e <strong>de</strong> certa forma, do aluno “padrinho” sobre o aluno “afilhado”,<br />
eles se permit<strong>em</strong> contar pia<strong>da</strong>s, chamar à atenção uns dos outros, rir, entre outras coisas.<br />
No evento acima, Úrsula (“madrinha”) se coloca entre seus pares, <strong>de</strong>sobrigando-se <strong>de</strong><br />
representar o papel <strong>de</strong> “boa” aluna; enquanto Paulo (também o “bom” aluno) mostra-se<br />
escan<strong>da</strong>lizado por eu estar filmando aquele episódio <strong>de</strong> contação <strong>de</strong> pia<strong>da</strong>s. Maurício, por sua<br />
vez, um dos alunos consi<strong>de</strong>rados mais levados <strong>da</strong> turma, e “afilhado” <strong>de</strong> Ricardo, exige uma<br />
postura <strong>de</strong> Bernardo diante do que ficou estabelecido no grupo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do ano letivo e<br />
rel<strong>em</strong>brado naquele momento pela professora. Ricardo (“padrinho”) assim como Úrsula,<br />
quebra esta “estrutura” <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ao rir <strong>da</strong> interlocução entre seus “afilhados”, comprovando o<br />
que diz Bakhtin (1992b): “A serie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ixa mais pesa<strong>da</strong>s as situações s<strong>em</strong> saí<strong>da</strong>, o riso<br />
eleva-se acima <strong>de</strong>las. O riso não entrava o hom<strong>em</strong>, libera-o [...]. O riso levanta as barreiras,<br />
abre o caminho” (p. 374). Ah, se l<strong>em</strong>bráss<strong>em</strong>os disso <strong>em</strong> nosso cotidiano!<br />
Maurício costumava brincar também com a professora, mesmo sabendo que era um<br />
dos alunos que mais <strong>da</strong>va “trabalho” para a professora, como mostram os eventos a seguir:<br />
Evento VIII<br />
A professora começa a entregar dois bilhetes <strong>da</strong> direção escolar a ca<strong>da</strong> um dos alunos. Um tratava-se <strong>da</strong><br />
eleição para diretora na escola e o outro sobre um passeio que a turma ia fazer. E recomen<strong>da</strong>va:<br />
- Não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> entregar o 2º aviso!<br />
Maurício: Tia, eu não recebi! Tá me <strong>de</strong>vendo dois reais!<br />
Professora: O que está <strong>de</strong>vendo dois reais? O quê, moço, que dois reais são esses (com ar sério)?<br />
O aluno abaixou sua cabeça, parou <strong>de</strong> brincar e ao receber o bilhete, pôs-se a lê-lo (Filmag<strong>em</strong> <strong>em</strong> 22/09/08).<br />
Evento IX<br />
A professora retoma o trabalho sobre linguag<strong>em</strong> verbal e não-verbal iniciado na <strong>aula</strong> anterior:<br />
- De acordo com os balões, nós aprend<strong>em</strong>os até que balão? Nós paramos no balão do pensamento.<br />
Gabriel: Não, tia!<br />
Ricardo: Não foi, não! A gente fez...<br />
Professora: Ficou faltando do grito, do cochicho e <strong>da</strong> fala, não foi isso?<br />
Gabriel: Só faltou o do grito e do pensamento.<br />
Professora: Então, vamos fazer uma compl<strong>em</strong>entação para <strong>de</strong>pois sentar e analisar a história.<br />
Maurício: É guerra!<br />
Ricardo: A gente parou no balão do pensamento.<br />
Maurício: Mentira! Parou no <strong>da</strong> admiração!<br />
Professora: Eu parei no balão <strong>da</strong> admiração.<br />
Maurício: Oiiiiii! Rachou a cara!<br />
Professora: Aí ficou faltando o balão do cochicho, não é isso?<br />
Maurício: Zummm! O barulho do zummm! Zum mais zum, dois; dois mais dois, quatro, quatro mais quatro,<br />
oito...<br />
Professora: Vê se vocês situam aí no ca<strong>de</strong>rno. O balão <strong>da</strong> Paixão! Aí, nós vimos o balão do cochicho. Eu não<br />
sei <strong>de</strong>senhar...<br />
Maurício: Eu sei <strong>de</strong>senhar, tia, <strong>de</strong>ixa eu <strong>de</strong>senhar!<br />
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