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220 O. LEVI-STRAUSS TBISTES TR6PICOS 221<br />
encontrada, e identificada por sua forma, tamanho, cor. ~sses<br />
porm~nores fieam tao precisos e tao carregados de valor<br />
emoclOnal que anos depois 0 inventor evoca ainda 0 aspecto<br />
d~ cada pedra: "Quando eu a contemplava, conta-me urn dos<br />
meus visitantes, era como se a Virgem Maria tivesse deixado<br />
c~ir u~a lagrima _na palma da minha mao..." Mas as pedras<br />
nao sao sernpre tao puras: muitas vezes, acham-se envolvidas<br />
na ganga e e impossivel conhecer imediatamente 0 sen<br />
valor. 0 comprador acreditado anuncia 0 seu pr~ (ao que<br />
se chama "pesar" 0 diamante) e, assim como estao obrigados<br />
a the vender, devem tamMm aeeitar a sua oferta. 0 assistente<br />
da em seguida a pancada que mostrara a todo 0 mundo<br />
o resultado da espeeula~ao.<br />
. .Perguntei Se nao aconteciaserem eles enganados; sern<br />
duvlda, mas em vilo. Urn diamante proposto a outro comprador,<br />
ou escondido do chefe do bando seria imediatamente<br />
queimado: isto e, 0 cornprador ofereceri~ urn pr~o derris6rio,<br />
que seria sisternAticamente baixado em cada nova tentativa<br />
ulterior. Houve assim garimpeiros de rna fe que morreram<br />
de fome com as maos cheias.<br />
Depois, ha urn outro neg6cio. 0 sirio Fozzi enriqueceu~se,<br />
segundo s~ diz, adquirindo a baixos pr~os diamantes impuros,<br />
que aquecla Dum fogareiro Primus antes de mergulha-Ios num<br />
colorante; esse processo da ao diamante amarelo uma Cor superficial<br />
mais agradlivel e Ihe vale 0 nome de pintado.<br />
Outra fraude tambem se pratica, mas em nivel mais elevado:<br />
na exporta~ao, para evitar 0 pagamento de direitos ao<br />
~st~dO;. eonheei em Cuiabli e Campo Grande passadores profisslOnaIs,<br />
charnados capangueiro8. t;les tambem contavam<br />
muitas hist6rias: famos ma~os de cigarros dissimulando diamantes<br />
que, quando presos pela policia, jogavam negligentemente<br />
num capito como se estivessem vazios, para ir procuralos<br />
uma vez Iiberados, e flieiI imaginar com que ansiedade.<br />
MRS, naquela noite, em tarno da nossa fogueira a conversa<br />
girou sabre os incidentes cotidianos a que esta~am expastos<br />
os nossos visitantes. Assim aprendi a lingua pitoresca<br />
do sertao, que, em lugar do pronome frances on usa uma<br />
col~ao extraordinariamente variada de termos: 0 hdmem, 0 camarada,<br />
0 colega, 0 negro, 0 tal, 0 fUlano, etc. Tinha-se tido 0 azar<br />
de r~colher Duro ?a.s bateias: mau pressagio para urn pesquisador<br />
de diamante; a uniCO recurso e joga-lo imediatamente na agua;<br />
quem guardar 0 ouro passara por semanas infrutuosas; outro,<br />
recolhendo 0 cascalho com as maos, recebera urn golpe da<br />
cauda gancheada da raia venenosa. Essas feridas sao dificeis<br />
de c 'ar. :E preciso encontrar uma mulher que consinta<br />
em des . -se e em urinar na chaga. Como quase nao ha outra<br />
coi nos garimpos senao prostitutas caboclas, esse tratamento<br />
. genuo provoca, com grande freqiiencia, uma sifiUs particularmente<br />
virulenta.<br />
Essas mulheres sao atraidas pelas narrativas de lendarios<br />
golpes de sorte. Rico do dia para a noite, 0 pesquisador,<br />
prisloneiro do seu processo judiciario, e obrigado a tudo gastar<br />
no lugar. Assim se explica 0 trafego de caminhoes carregados<br />
de bens superfluos. Por pouco que cheguem ao garimpo com<br />
o sen carregarnento, este Be vendera a qualquer pre~o, menos<br />
por necessidade que por ostenta~ao. De rnadrugada, antes de<br />
continuar viagem, fui ate a cabana de urn camarada, a margem<br />
do rio, infestada de mosqUitos e outros insetos. Ja com<br />
o casco antiquado de escafandro na cab~, ele estava raspando<br />
0 fundo. 0 interior da cabana era tao miseravel e<br />
deprimente quanto 0 sitio; mas, num canto, a companheira me<br />
mostrou, com orgulho, os doze ternos do seu homem e os sens<br />
vestidos de sMa devorados pelos eupins.<br />
A noite se passara em cantos e conversas. Cada conviva<br />
e convidado a "fazer urn m1mero", tornado a uma noitada de<br />
cafe-concerto, lembran~a de urn tempo passado. Encontrei esse<br />
desnivel nas fronteiras militares da India, por ocasiao de<br />
banquetes entre pequenos funcionarios. La como aqui, apresentavam-se<br />
mon6logos, ou ainda 0 que na India se chama de<br />
"caricaturas", isto e, imita~es: tic-tac de uma maquina de<br />
escrever, ruido de uma motocicIeta em dificuldades, seguido<br />
- extraordinario contraste - do barulho evocador de uma<br />
"dan~a de factas" precedendo a imagem sonOra de urn eavalo<br />
a galope. E, para terminar, tambem chamadas, como em<br />
frances, as "caretas".<br />
De minha noitada com os garimpeiros, conservei nos meus<br />
eadernos urn fragmento de ean~ao popular de modiHo tradieional.<br />
Trata-se de urn soldado descontente com 0 rancho, que<br />
escreve uma reclama~o ao cabo; este a transmite ao sargento<br />
e a opera~ao se repete a cada pOsto; tenente, capiUlo, major,<br />
coronel, general, imperador. :t:ste ultimo nao tern outro recurso<br />
senao 0 de se dirigir a Jesus Cristo, 0 qual, em lugar de<br />
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