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O. LEVI-STRAUSS<br />
TRISTES TR6PICOS<br />
265<br />
i<br />
~ .<br />
I: '<br />
,i<br />
no interior do Brasil, com~ava a dirigir-se para os indios do<br />
planalto. Entre os Bororo, en me convencera do excepcional<br />
gran de refinamento, no plano socio16gico e religioso, de<br />
tribos outrora consideradas como donas de uma cultura muito<br />
grosseira. Oonheciam-se os primeiros resultados das pesquisas<br />
de urn alemao hoje desaparecido: Kurt Unkel, que tinha<br />
adotado 0 nome indigena de Nimuendaju e que, depois dos<br />
anos passados nas aldeias ge do Brasil central, confirmava<br />
que os Bororo DaD representam urn fenomeno it parte, mas<br />
antes uma varia~ao sobre urn tema fundamental comum com<br />
outras popula!:iies. As savanas do Brasil central estavam,<br />
pois, ocupadas, em quase 2.000 quilometros de profundidade,<br />
pelos sobreviventes de uma cultura notAvelmente homogenea,<br />
caracterizada por uma lingua diversificada em dialetos da<br />
mesma familia, urn nivel de vida material relativamente baixo<br />
contrastando com uma organiza~ao social e urn pensamento<br />
religioso bern desenvolvidos. Nao se deveria reconhecer neIes<br />
os primeiros habitantes do Brasil que teriam sido, ou esquecidos<br />
no fundo das suas matas, ou repelidos, pouco tempo<br />
antes da descoberta, para terras mais pobres, por popula<br />
~es belicosas vindas nao se sabe de onde, e que conqnistaram<br />
a costa e os vales flnviais?<br />
Nas -costas, os viajantes do secnlo XVI haviam encontrado<br />
por Wda parte representantes da grande cultura tupi-guarani<br />
que tamMm ocupavam a quase totalidade do Paraguai e 0<br />
curso do Amazonas, tra(;llndo urn anel quebrado de 3.000 qUilQmetros<br />
de diAmetro, s6 interrompido na fronteira paraguaioboliviana.<br />
~sses tupi, que apresentam obscuras afinidades<br />
com os astecas, isto e, pavos tardiamente instalados no vale<br />
do Mexico, eram tambem recem-vindos; nos vales do interior<br />
do Brasil, sua instala~ao prosseguiu-se at6 ao s6culo XIX.<br />
Talvez se tivessem deslocado, algumas centenas de anos antes<br />
da descoberta, movidos pela cren~a de que existia em algum<br />
Ingar urna terra sem morte e sem mal. Tal ainda era a sua<br />
convic~ao, ao termo de suas migra~es, quando pequenos grupos<br />
desembocaram, no fim do s6culo XIX, no litoral paulista.<br />
Avan~ando sob a dir~ao de seus feiticeiros, dan~ando e<br />
cantando os louvores do pafs em que nao se morre e jejuando<br />
durante longos periodos para mereee-io. No s6culo XVI, em<br />
todo caso, disputavam asperamente a costa aos ocupantes auteriores,<br />
sobre os quais possufmos poucas indica~6es, mas<br />
que sao provavelmente os nossos Ge.<br />
I<br />
No noroeste do Brasil, os Tupi coexistiam com outros<br />
povos: os Caraiba ou Caribe que muito se lhes assemelhavam<br />
pela cultura, embora diferissem pela lingua, e que se dedicavam<br />
a conquista das Antilhas. Ravia tambem os Aruaque;<br />
este ultimo grupo 6 bastante misterioso: mais antigo e mais<br />
refinado que os dois outros, formava 0 grosse da popula