Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
74 O. LEVI-STRAUSS TBXSTES TROPICOS 75<br />
as atitudes mentals da epoca. Durante uma verdadelra pesqulsa<br />
pslco-sociol6g1ca concebida segundo os principios mais<br />
modernos, submeteram-se os colonos a um questlonario destinado<br />
a saber se, na sua opinHio, os indios eram on nao "capazes<br />
de viver por si mesmos, como os camponeses de Castela".<br />
TOdas as respostas foram negativas: "A rigor, talvez, sens<br />
netos; ainda assill, os indigenas sao tao profundamente vieiosos<br />
que a duvida e cabivel, els a prova: Hes fogem dos espanh6is,<br />
recusam trabalhar sern remunera~ao, mas levam a perversidade<br />
ao ponto de fazer presente dos seus bens; nao concordam<br />
em expulsar sens camaradas a quem os espanh6is cortaram<br />
as orelhas". E como conclusao unanime: "E melhor para OS<br />
indios tornarem-se homens escravos do que continuarem animais<br />
livres..."<br />
Um testemunbo, posterior de alguns anos, junta 0 ponto<br />
final a ~sse requisit6rio: "~les comero carne humana, DaO t~m<br />
justi~a; andam nus, cornem pulgas, aranhas e vermes crus...<br />
£les DaO tern barba e, se por acaso ela cresce, apressam-se em<br />
depilar-se" (Ortiz, diante do Conselho das tndias, 1525).<br />
No meSillO momento, de resto, e numa ilha vizinha (P&rto<br />
Rico, segundo 0 testemunho de Oviedo), os indios cuidavam<br />
de capturar os brancos e faze-los perecer por imersao, depois<br />
montavam guarda durante semanas em torno dos afogados,<br />
a fim de saber se eram ou nao sujeltos II putrefa!:iio. Dessa<br />
compara~ao entre os inqueritos, tiram-se duas conclusoes: brancos invocavam as cH~ncias sociais, enquanto os indiOS<br />
tinham antes confian~ nas cil~ncias naturais; e, enquanto osI<br />
brancos proclamavam que os indios eram animais, os segundos<br />
se contentavam com desconfiar que os primeiros eram<br />
deuses. Em igualdade de ignorancla, 0 ultimo procedimento<br />
era certamente mais digno de homens.<br />
As prova!iles intelectuais juntam um patetico suplementar<br />
a perturba~ao moral. Tudo era misterio para os nossos viajantes;<br />
a Imagem do Mundo, de Pierre d'Aflly, fala de uma<br />
humanidade recentemente descoberta e supremamente feliz,<br />
"gens beatissima", composta de pigmeus, de macr6bios e mesrno<br />
de acefalos. Pierre Martyr recolhe a descri~ao de animais<br />
monstruosos: serpentes semelhantes a crocodilos; animais com<br />
corpo de boi armado de tromba como urn elefante; peixes de<br />
quatro patas e com cab~ de boi, as costas ornadas de mil<br />
verrugas e com a carapa~a de tartaruga; "tiburoes" devorando<br />
gente. Sao apenas sucnris, tapires,peixe-bois e tnbaroes. Mas,<br />
inversamente, misterios aparentes eram admitidos como natnrais.<br />
Para justiflcar a brusca mUdan~ de rota que 0 fez<br />
perder 0 Brasil, nao mencionava Colombo, em seus relat6rios<br />
oficiais, extravagantes circunstl1ncias, jamais renovadas desde<br />
entao, sobretudo nessa zona sempre umida: calor escaldante<br />
que tornon impassivel a visita dos poroes, de tal maneira que<br />
os barris de agua e de vinho explodiram, 0 grao qneimou, 0<br />
toucinho e a carne s~a assaram durante nma semana; 0 sol<br />
era tao ardente que a equipagem temeu queimar-se viva!<br />
SecuJo feliz, em que tudo era ainda passivel, como hoje, talvez,<br />
gra~as aos discos voadores!<br />
Nas ondas em que agora vogamos, nao foi ai, ou quase,<br />
que Colombo encontrou as sereias: Na verdade, ele as vin<br />
no fim da primeira viagem, no mar das Caraibas, mas elas<br />
nao estariam deslocadas ao largo do delta amazonico. "As<br />
tres sereias, conta ele, elevavam seus corpos acima da superficie<br />
do oceano, e ainda que DaO fassem tao belas quanto se<br />
representam na pintura, seu rosto redondo tinha nitidamente<br />
a forma humana". Os peixe-bois tern a cab~a redonda, e<br />
apresentam-se com seios no peito; como as femeas amamentam<br />
os filhotes apertando-os contra si, a identffica~ao<br />
nao e<br />
tao surpreendente, numa epoca em que se preparavam para<br />
deserever 0 algodoeiro (e mesmo a desenha-Io) sob 0 nome<br />
de "arvore de carneiros": uma arvore carregada, a guisa de<br />
frutas, de carneiros inteiros, pendurados pelas costas, e dos<br />
quais bastava tosquiar a Hi.<br />
Da mesma forma, no Quarto Livro de Pantagruel, Rabe<br />
Iais, fundando-se, sem duvida, em narrativas de navegador<br />
desembarcado das Americas, oferece a primeira caricatura do<br />
que os etn6logos chamam hoje urn sistema de parentesco, e<br />
borda livremente num bastidor fragU; pois ha poncos sistemas<br />
de parentesco concebfveis em que urn velho possa chamar t<br />
uma menina Ilmeu pai". Em todos esses casos, faltava a cons- \<br />
ciencia do seculo XVI urn elemento mais essencial que os<br />
conhecimentos: uma quaIidade indispensavel a reflexao cien·<br />
tifiea e que the era fundamental. Os homens dessa epoca<br />
nao eram sensfveis ao estilo do universo; como hoje, no plano<br />
das beJas-artes, urn rustieo percebendo certos caracteres exteriores<br />
da pintura italiana ou da escultura negra, e nao sua<br />
harmonia significativa, seria incapaz de distinguir uma falsifica~ao<br />
de urn Botieelli autentico, ou urn objeto de bazar de<br />
uma escultura Pahouin. As sereias e a arvore de carneiros<br />
constituem coisa diferente e mais grave do que erros objetivos': \<br />
no plano intelectual, sao antes falta de g6sto; deficiencia de<br />
I<br />
f ";;)U SO)u:;)u<br />
I s e l'elne)s<br />
ll!S9dOld (<br />
i<br />
81" "'Eued<br />
I<br />
"Junl~ n<br />
~nb ~ 1~11r<br />
n owo') el~<br />
:01 w, ~p'<br />
W:;) 'P~~:J:;)(<br />
lOnbjEnb.<br />
'['E1U;;>W 'E~<br />
'pmlll '(<br />
IU;;)W'E:)U;;)<br />
I 'Ol~J'O'<br />
;;>::> 01U;;)W<br />
~'ESU! ;;)P 51<br />
~PIU~Su! .<br />
sUi "p op<br />
olJ,ds~ Sl<br />
·...d 'P~p!<br />
nb,wms<br />
!dsUi Olm<br />
J 'P~p!Ul;<br />
;;)llO:J S'E (<br />
q'JOl 'p ,<br />
OA ~p op~<br />
!1'J 'E owo:<br />
op m 91